sábado, 10 de dezembro de 2011

Na série ‘Preamar’, HBO mostra a mistura social de Ipanema

Dudu Nobre (ao centro) participa da série como um sambista da Baixada Fluminense Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Dudu Nobre (ao centro) participa da série como um sambista da Baixada Fluminense  
Fabio Rossi / Agência O Globo

São três da tarde em um dia meio nublado no Rio de Janeiro. À beira do calçadão de Ipanema, uma equipe de gravação e uma turma agitada de figurantes chamam a atenção de quem passa pela esquina da avenida Vieira Souto e da rua Garcia D’Ávila. É ali que, como vem fazendo há seis meses, Estevão Ciavatta dirige as cenas de "Preamar". A série ambientada na Zona Sul carioca é o primeiro projeto longo de ficção de sua produtora, a Pindorama, e estreia no segundo semestre do ano que vem na HBO. Apesar das nuvens, o trabalho segue firme: é hora de gravar os momentos finais do último dos 13 episódios da atração, protagonizada pelo ator Leonardo Franco.

A trama, explica Estevão, entre uma cena e outra, mostra o caráter democrático das areias do Rio: a mistura de classes sociais dá o tom da série, criada pelo próprio diretor, pela roteirista Patricia Andrade e por William Vorhees, ex-atleta e local da área, cheio de propriedade sobre as sutilezas das relações sob o sol de Ipanema.

— Era um desafio fazer uma história passada na praia e que tivesse essa mistura que esse lugar tem, de classes, idades e cores, e que é algo que faz parte da minha história na TV. Nesse trabalho, consegui essa junção entre ricos e pobres. Revelamos o comércio da praia e vamos além dessa visão da Zona Sul burguesa, de meninas bonitas e surfistas — acredita o diretor-geral.

A "junção entre ricos e pobres" sobre a qual Estevão fala é visível na história de Velasco (Leonardo Franco), um empresário do mercado financeiro que vê seu mundo desmoronar na crise econômica de 2008. Depois de perder tudo e cair em depressão, o outrora homem de negócios volta seu olhar para a família — e, da janela de seu apartamento na Vieira Souto, o único bem que lhe restou, percebe que as areias de Ipanema também são um grande negócio. É o ponto de partida para uma saga que, para Leonardo, é uma busca pela redenção, em vários aspectos da vida do personagem.

— A série tem um lado humano. Quando Velasco quebra, ele tenta recuperar sua carreira. É aí que aparece um Rio que nem ele conhece: o do comércio da praia, que movimenta bilhões de reais, do algodão doce às prostitutas. No aspecto financeiro e familiar, ele procura a sua salvação — explica Leonardo, que fez laboratório na comunidade pacificada do Pavão-Pavãozinho, na Zona Sul do Rio: — Começamos a gravar em junho e estava me preparando desde março. Minha trajetória é mais teatral, então, entro nas séries com o pé direito e de forma oportuna.

Num primeiro momento, conta o ator, Velasco tenta ludibriar a família e diz que está em um ano sabático. No entanto, seus pedidos para que os gastos da casa sejam reduzidos levam à descoberta da verdade. É aí que o ex-empresário conhece Xerife, vivido por Roberto Bonfim. Mandachuva da praia, é ele quem orienta Velasco, que compra um ponto na areia, instala uma barraca (sem colocar o seu nome nela, para não se expor) e passa a ter uma outra vida — que inclui, ainda, uma aventura extraconjugal com Paula, vivida por Karen Junqueira.

— Depois de entrar em depressão, ele percebe que seu casamento está deteriorado e que sua mulher, Maria Izabel (Paloma Riani), entrou numa de ser dama da sociedade. Seu filho, Hugo (Hugo Bonemer), está traficando drogas e sua filha, Manu (Jessika Alves), está perdida, naquela fase de iniciação sexual — adianta Leonardo.

No penúltimo dia de gravação, acompanhado pela Revista da TV, o protagonista leva o filho para casa, depois de uma temporada na prisão. Em seguida, em cenas que devem encerrar o primeiro ano de "Preamar", o músico Nelson, um humilde morador da Baixada Fluminense — interpretado por Dudu Nobre, em uma participação especial —, faz um show na areia, ao lado do primo Wallace, personagem do também sambista Mumuzinho. "Olha o morador! Deixa o morador passar!", "Não pisem na grama, cuidado" e "Vamos lá, galera!" eram as frases mais ouvidas pelos figurantes que, mesmo com o vento frio do fim de tarde, exibiam seus corpos em sungas e biquínis minúsculos — e demonstravam empolgação até no ensaio, quando os cantores soltavam a voz em "É hoje o dia", clássico samba-enredo da União da Ilha.

Para dar mais veracidade à série, Estevão diz que criou uma "praia de época" para a atração, ambientada antes do Choque de Ordem que padronizou a orla carioca.

— Para ter essa visão, teríamos que mostrar alguém que vivesse lá: ou um mendigo, ou moradores da Vieira Souto. E aí acabamos inventando essa história de uma família rica, de frente para o mar. Recriamos, então, um cenário que remete ao ano de 2008, pré-Choque de Ordem da prefeitura do Rio, com quiosques antigos e barracas mais coloridas — explica o diretor, que também faz uma participação como ator: — Adorei! Mas achei chato, ator espera muito (risos). Foi tranquilo, uma brincadeira. Vivo o Pantoja, um delegado da corregedoria da Polícia Civil em um episódio. Um só já está bom!

Espécie de síndico das areias, William Vorhees empresta suas observações para a série como colaborador no roteiro. Mas, no set de filmagens, também opina e troca ideia com elenco e direção (que é dividida entre Estevão, Marcus Baldini, Mini Kerti, Anna Muylaert e Marcia Faria). Sua presença e animação são constantes.

— Ipanema é a sala de estar mais aberta do mundo, onde ninguém é convidado, mas todos são bem-vindos. É bem como dizem: a praia é para todos, mas não é para qualquer um. Já viajei muito e aqui é um dos poucos lugares onde você consegue ser feliz. Você senta na sua cadeira na areia e vê quem é forasteiro, porque carioca não anda no calçadão só de biquíni; sabe reconhecer os mineiros, com as marcas de camiseta e short; e sabe dizer quem é "prima" (garota de programa, na gíria) e quem não é. Com a nossa história, não estamos questionando: só mostramos Ipanema como ela é — explica William.

Quando as nuvens dão uma trégua, Roberto Bonfim grava suas cenas no calçadão. O ator, cuja última novela foi "Três irmãs", em 2008, na TV Globo, recorreu ao seu passado de "garoto do Leblon" para dar vida a Xerife, o todo-poderoso das areias.

— Ele comanda uma máfia informal na praia — explica Bonfim, enquanto se prepara para as próximas cenas que serão gravadas: — Xerife é um perfeito carioca do Pavão-Pavãozinho, que vendia mate e pegava jacaré. Um dia, botou mais um bujãozinho de mate, depois mais um... E pronto, virou o mandachuva. A relação dele com Velasco é ótima: eles se tornam grandes amigos, um aprende com o outro. Sou garoto do Leblon, zanzava por aqui, frequentei a antiga favela da praia do Pinto, Rocinha, Vidigal... Quando soube do papel, pensei: "Opa, esse ninguém me tira".

Animado com o fim das gravações, Estevão conta que a ideia do último capítulo da temporada é manter no ar um gancho para um novo ano.

— Foram 26 semanas seguidas, o equivalente a sete longas em minutagem, com maioria de externas e uma casa no Joá como locação. Quando criei o projeto, disse a Patricia e ao William que queria algo que rendesse pelo menos cinco temporadas. E sempre pensamos nisso — afirma o diretor.

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