sábado, 11 de julho de 2009

Som & fúria: Mistura de talentos em linguagem de televisão


Quando a televisão produz algo de grande qualidade, costuma-se fazer comparações com o cinema. “Som & fúria”, estreia de anteontem da Globo (co-produção com a O2 de Fernando Meirelles), leva a plateia de massas da TV ao teatro. Mostra as coxias, a maledicência que ronda os bastidores, a politicagem, o cotidiano dos atores. O resultado é um trançado de narrativas, uma mistura de grandiloquência com minúcias. “Som & fúria” acerta na pompa e no detalhe e reafirma: Fernando Meirelles é capaz de abraçar várias linguagens com igual sensibilidade e pontaria.

O episódio de estreia teve ritmo, emoção, humor, sutileza. E devolveu Shakespeare à sua origem, ou seja, ao grande público, hoje sintonizado na televisão, longe do papo-cabeça, mas sem cair na banalidade. Devolveu também Felipe Camargo (Dante Viana) ao lugar do qual ele próprio saiu por circunstâncias alheias ao seu talento: o posto de um dos melhores de sua geração. A estreia foi dele e também de Andréa Beltrão, soberba como Elen, e de Pedro Paulo Rangel (Lourenço Oliveira). O elenco como um todo é de altíssima qualidade. Além das figuras consagradas, como Regina Casé e Dan Stulbach, há outras, familiares, mas de onde mesmo? Da publicidade. É o caso do casal Ciro (Wandi Doratiotto) e Franco (Arthur Kohl), dois atores de teatro que ficaram conhecidos na campanha da Brastemp (“não é uma Brastemp...”) que Meirelles dirigiu.

A série é uma adaptação da produção canadense “Slings and arrows”. Começa contrapondo duas companhias teatrais. A primeira, de Dante, funciona na base da heroica resistência, sem dinheiro algum. Ironicamente, Felipe aparece comandando o barco como Próspero, em meio à “Tempestade”, em cenas que misturam realidade com ficção e associam galhardia a talento. A segunda é a companhia de Oliveira, que já sonha pela sétima vez o “Sonho de uma noite de verão”. Oliveira expressa sua frustração artística e tédio com pequenas maldades, como impor a Elen que fique de costas para o público. É um sujeito afastado do sentido romântico da arte, um burocrata que repete frases feitas. O programa só começa a eletrizar quando Oliveira liga para Dante, um telefonema cheio de amorosa amargura. Nesta hora, o que era avulso ganhou um sentido maior, e a história deslanchou. O ritmo se manteve até o fim. Se continuar assim, “Som & fúria” será o grande acontecimento do ano na TV aberta.

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