"Passione" termina hoje e seu autor, Silvio de Abreu, disse à Folha que o final vai contrariar o público.
Para ele, a catarse --"mocinho recompensado, vilão castigado"-- não faz pensar.
O novelista quer provocar o espectador, "para que ele discuta os desfechos dos personagens e a novela não termine no dia 14 de janeiro".
Em seu apartamento, em São Paulo, na segunda, Abreu, 68, falou sobre a novela das oito, a 14ª da sua carreira, audiência, novas mídias, e, o melhor para quem é noveleiro: comentou as tramas e as possíveis soluções.
A partir da conversa, a Folha aposta que Fred ou Clara, vilões interpretados por Reynaldo Gianecchini e Mariana Ximenes, seja responsável pelos assassinatos.
Abreu diz que sua estratégia é confundir o público ao longo da trama, mas que sua história é simples. A solução foi óbvia em "Belíssima", sua novela anterior. Vilã desde o primeiro capítulo, Bia Falcão (Fernanda Montenegro) foi revelada no último como a responsável por todos os crimes. Leia abaixo para ver se você concorda.
"Passione"
Não gosto de novela morosa, o mocinho que vai casar com a mocinha e alguém não deixa. Gosto de novela ágil, que traga a cada dia um entretenimento diferente.
Por isso misturo dois gêneros lúdicos, o thriller e a comédia, e coloco o melodrama de tempero. Cada gênero tem suas regras e é preciso segui-las de maneira que eles não entrem em choque.
As cenas da Fernanda [Montenegro], que é do drama, com a Irene [Ravache], comédia, precisam ter equilíbrio, não ir nem muito para um lado nem para o outro. Em cada capítulo, coloco um pouco de cada gênero para a novela não ficar chata. Não me importo de fazer novela ruim, mas chata não! "Passione" é a mais inventiva das minhas novelas.
Pistas
Dou sempre uma pista aqui e outra ali na trama e nunca minto, não dou pista falsa. Faço com que as soluções dos mistérios sejam algo que o público poderia ter deduzido. Quando a novela acabar, as pessoas podem ver o primeiro capítulo para ver que já havia ali os indícios da história que seria contada.
Sempre sei o que vai acontecer antes de começar a novela. As minhas histórias são simples, a maneira de contar é que é complicada. Vou confundindo o público, mas sei onde vou chegar.
Vilões
"Má o meno" [os vilões vão se dar mal no final]. Parte se dá mal, parte bem. Não gosto de maniqueísmo. Não é uma novela em que mocinho é mocinho e bandido é bandido. De uma certa forma, gosto que a novela seja um pouco espelho da sociedade, e não é verdade que na sociedade em que a gente vive os vilões são castigados. Não são quase nunca. A gente gostaria que fosse assim, mas não é. E quando fazemos a catarse, o mocinho é recompensado e o bandido, castigado, não deixamos a público pensar. Quando contrariamos o espectador, ele vai ficar discutindo isso. Por que o vilão foi solto? Para a novela não terminar no dia 14 de janeiro, precisa deixar ruído, e os finais contribuem para isso.
Manchetes mentirosas
Revistas de TV fazem manchetes alucinantes e mentirosas. Vou contratar os editores para trabalhar comigo, eles têm uma criatividade imensa! Quando a TV se democratizou, com o Plano Real, a classe DE passou a ser importante. As revistas que antes custavam R$ 10 se dividiram em dez de R$ 1. Não há dez novidades por semana, então inventam com a maior desfaçatez. Nem eu nem meus colaboradores são fontes de informação. Mas isso me diverte. Deus me livre eu fazer uma novela que não sai na capa da revista.
Comércio de informação
Não gosto do comércio, de quem suborna funcionários da TV para ter os capítulos. Provamos que isso existia na "Próxima Vítima" [1995]. Falei com o [então diretor da Globo] Boni e ele fez uma auditoria. Descobriu que pessoas do departamento de fotocópia vendiam capítulos para revistas e mandou todo mundo embora. Agora, com "Passione", voltei a ter problemas e tive que picar capítulos e mandar para atores só a sua parte. Só a [diretora da novela] Denise [Saraceni] sabia a ligação entre as cenas. Quase sempre percebemos quem passou. A coluna que dá a informação publica uma nota de um ator mixo, que obviamente está pagando aquele favor. Isso sem falar do roubo, que é inaceitável. Na época, falei para a Globo que se isso não fosse resolvido eu mesmo ia vender! Vendiam meu capítulo sem nem me pagar direitos autorais!
Audiência
Me decepcionei com o fato de o público não ter embarcado em "Passione" no início. Mas isso me trouxe uma lição: a de que cada novela tem que buscar o seu público. Não tem mais aquela história de que a audiência da Globo já faz com que a novela seja um sucesso imediato. "Passione" sempre foi o programa de mais audiência na televisão, mas era o primeiro com 35 pontos, no começo, e agora passa dos 40. Hoje está sendo muito discutido se as pessoas estão vendo a novela em outras mídias, o que não é computado, ou se não querem mais ver novela. A Globo ainda não sabe. Não entende exatamente por que a repercussão da novela é maior do que os números do Ibope mostram. O que eu quero é ter tranquilidade para fazer. Quanto mais a novela faz sucesso, mais verba eu tenho para a produção.
Novas mídias
Em "Passione", criei textos que os personagens falavam para o site da novela. Mas vou continuar escrevendo a novela da mesma forma, passe ela no celular, na TV, no computador, em qualquer lugar. O produto que vou fornecer para o telespectador ou o internauta vai ser o mesmo. O que acontece é usar o universo da internet na história, porque isso faz parte da vida moderna.
Segredo de Gerson
Todo mundo tinha uma versão que achava melhor do que a minha. Mas a história que estava contando é a de um homem abusado por uma mulher, estou falando de pedofilia. O que criou a curiosidade foi eu não mostrar no computador o que ele via. Mas como podia mostrar em uma novela classificada para 12 anos?! Lógico que aproveitei isso para criar o mistério. A expectativa ficou alta e, claro, houve frustração.
Carolina Dieckmann
O público não aprovou a Diana porque ela ficou com o Mauro [Rodrigo Lombardi] em um capítulo e, no outro, o trocou pelo Gerson [Marcello Antony]. Imagina! Como é que ela disse "não" para o Raj [mocinho interpretado por Lombardi em "Caminho das Índias"]!
A culpa é minha, não da Carolina, eu que escrevi isso. E a Diana [Carolina Dieckmann] tinha que morrer. O casal romântico, para mim, é o mais difícil de fazer. Não gosto de fazer cenas de amor. Gosto de drama, comédia, briga, sexo, mas parou para falar "meu amorzinho, vamos passear de mãos dadas no bosque", não aguento.
Sei que a novela precisa disso e tento fazer, mas não é o meu forte. Mas quando a Diana morreu, o personagem ficou grande. Uma mulher que se sacrificou por amor. As histórias de amor de que mais gosto são as que não têm final feliz. "Romeu e Julieta", "Casablanca", "E o Vento Levou". O espectador fica com nó na garganta. Nos grupos de discussão reclamam que "Passione" não tem amor.
Mas não sei fazer! Imagine a Diana viva, com a filha, e o Mauro todo dia chegando em casa: "Oi, meu bem". Não vou aguentar escrever isso!
Elenco de estrelas
Tínhamos um elenco de estrelas: Fernanda Montenegro, Aracy Balabanian, Vera Holtz, Cleyde Yáconis, Irene Ravache... É difícil fazer com que cada uma tenha seu mundo na história e não se sinta coadjuvante.
Quando elas se juntavam em cena, uma não ficava embaixo da outra. É muito difícil manter, ao longo da novela, o interesse por diferentes personagens no mesmo patamar. Para mim, foi uma questão de respeito a essas atrizes.
Cleyde Yáconis
A Cleyde [87] quebrou o fêmur, teve que parar de gravar e entrou em depressão. Liguei para ela e disse: "Você vai voltar, está ótima, para de bobagem". Ela mora sozinha, em um sítio, com uma babá mais velha do que ela, é uma mulher independente.
Ficou muito feliz quando conseguiu voltar. Quis fazer comédia com a história dos personagens mais velhos picantes. No final, a Brígida [Cleyde] se casa com o Diógenes [Elias Gleizer, 77] e vira amante do jardineiro [Emiliano Queiroz, 73].
Gabriela Duarte
Liguei para a Gabriela [Duarte] e disse que tinha a Jéssica para ela. Avisei que não era a personagem principal da novela, mas que tinha potencial. Ela aceitou na hora e fez muito bem. Ela tem um temperamento muito mais rebelde do que a mocinha. O que prejudicou a Gabriela foi todo mundo querer que ela fosse uma nova Regina Duarte. E a Regina Duarte foi a melhor heroína que tivemos na televisão naquela época. Hoje em dia as heroínas são diferentes. A Gabriela sabia disso, mas não davam para ela uma coisa diferente.
Crack
Coloquei o irmão da Diana viciado em crack para mostrar que nem todo mundo se recupera [como o Danilo/Cauã Reymond]. E também para mostrar que o crack não pega só o mocinho que anda de bicicleta na capital, mas também o homem do interior, que é casado, tem filhos.
"Guerra dos Sexos"
Meu projeto é em 2012 fazer o remake de "Guerra dos Sexos", com direção do Jorge Fernando, para as 19h. Acho que é a primeira vez que alguém faz o seu próprio remake, mas ninguém vai fazer melhor do que eu [risos]. Estou pensando em fazer com o Tony Ramos no lugar do Paulo Autran, mas ainda não defini quem fará o papel que foi da Fernanda Montenegro.