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Dezoito anos depois de "Anos rebeldes" ir ao ar na TV Globo, uma cena, em especial, ainda mexe com a emoção de seu autor, Gilberto Braga: o exato momento em que os protagonistas da história, a individualista Maria Lúcia (Malu Mader) e o engajado João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), constatam que, mesmo tão apaixonados um pelo outro, são pessoas incompatíveis. No diálogo, ele diz: "Eu tive pensando... esses anos todos... Numa coisa eu acho que você tinha razão. Sobre o festival...'Sabiá' era mais bonita sim, mereceu ganhar". Em vão. Ela retribui com um abraço e vai embora.
- É a minha preferida, o rompimento do casal. Eles se amam e não dá certo. Me dá vontade de chorar - admite ele, que lança, na terça-feira, pela Rocco, o livro "Anos rebeldes, os bastidores da criação de uma minissérie" (R$ 59).
Além de proporcionar um déjà vu valioso para quem ficou de olhos grudados na telinha durante os 20 capítulos da série, a publicação mostra também os detalhes que cercam uma cena antes de ela ir ao ar.
- A ideia veio do fato de muitos jovens terem interesse em ver um trabalho escrito para a tevê exatamente como os diretores, atores e equipe recebem. Além disso, meus comentários paralelos devem provocar algum interesse - diz Braga.
No livro, está o esqueleto da história da minissérie, passada no Rio da década de 1960 e protagonizada por um grupo de colegas do tradicional Colégio Pedro II. A trama acompanha o desenrolar da paixão de Maria Lúcia e João Alfredo, que têm ideologias diferentes no Brasil da ditadura militar e acabam se distanciando quando ele resolve entrar para a luta armada.
Mas a obra vai além de um simples roteiro. Pelas suas 640 páginas, relembram-se diálogos, cenários e trilha sonora. Outro barato da leitura está justamente nas explicações do autor, que traça os paralelos entre a vida pessoal e a ficção presente nos personagens da série. E também na provinha que Braga oferece de uma autobiografia.
- Acho que sou autocentrado, gosto de falar de mim - conta. - Todos os personagens têm um pouco de mim, ou eu não consigo escrever. Acho que até o grande vilão, o banqueiro, tem pontos em comum comigo, na sua vida particular, nos mecanismos de controle - continua o autor: - Na minissérie, aqueles em que eu apareço mais devem ser o Galeno (Pedro Cardoso), por causa da crônica de costumes, a Maria Lúcia, porque sou individualista como ela (simplificando, claro) e a Natália (Betty Lago), por causa do meu apego a dinheiro, conforto. João Alfredo é a pessoa que eu admiro, gostaria de ser como ele, não sou.
Consagrado na TV com folhetins como "Dancin' days", "Vale tudo" e "Celebridade", Braga conta como ele, que passou a juventude no escurinho do cinema, se aventurou a escrever uma história que retrata os anos tensos de ditadura militar no Brasil.
- Nessa fase, eu era muito alienado. Escrever essa história foi uma espécie de ajuste de contas comigo mesmo. Estudei a época, Sérgio Marques (que também assinou a trama) ajudou, e a minissérie ficou boa - avalia.
Ao longo do relato, nota-se que suas vivências de garoto no Rio também contribuíram para a trama não ficar de difícil digestão.
- A cena das peruas que se encontram na praia para falarem abobrinhas deve ter contribuído muito para isso. É uma espécie de coro grego comentando a ação. E, de certa forma, são os anos rebeldes que eu vivi, porque vivi aqueles anos cercado de pessoas assim, totalmente alienadas - diz.
Desde cenas de amor mal-resolvido entre João e Lúcia a momentos dramáticos vividos por Heloísa (Cláudia Abreu), que culminam com sua morte, um detalhe não passou despercebido pelo autor enquanto escrevia a minissérie: a trilha sonora. Isso fica claro em seus comentários. No capítulo 10, por exemplo, Braga indica "Roda viva", pedindo atenção pois "a letra da canção é importante na cena". E, cuidadoso, ao fim do bloco, escreve para toda a equipe a letra de Chico Buarque:
- "Anos rebeldes" é quase um musical. Há cenas escritas em função das canções. Fui diretor musical do programa, fiz a sonorização. Queria ir de "Las secretarias", por Harold Nicholas, até o "Sabiá", "Senza fine", "Can't take my eyes off you", aquilo tudo.
E foi justamente "Sabiá", de Chico Buarque e Tom Jobim, vencedora do terceiro Festival Internacional da Canção, em 1968, a fonte de inspiração para concluir a série.
- "Anos rebeldes", sem dúvida, foi escrita em função da última cena. "Sabiá" era mais bonita, sim - afirma Braga.
EM TEMPO >>> A minissérie já teve um livro lançado, sendo que ao invés dos bastidores, era a história completa. Nos melhores sebos, com certeza você irá encontrar.