sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Série 'Aline' diverte com humor vivo e quase inocente


Chega a ser difícil imaginar como uma história centrada em um "ménage à trois" possa ser quase infantil. Mas Aline é assim. Exibida pela Globo às quintas-feiras, logo após A Grande Família, a série é leve e docinha como algodão-doce. Qualquer beijo "técnico" - aquele com a boca bem aberta e longos passeios sublinguais - em novelas é bem mais quente que as falsas bitocas trocadas entre Aline, de Maria Flor, e seus namorados Pedro, de Pedro Neschling, e Otto, de Bernardo Marinho.

Não há nada que torne visível que os dois são seus amantes. São amiguinhos que dividem o mesmo apartamento e a mesma cama. E, para evitar qualquer aspecto sexual de uma relação a três, tudo se tornou graciosamente idílico. Por isso mesmo Aline, a série, poderia ser facilmente exibida em algum horário vespertino, entre os filmes de bruxinhas ou de cachorrinhos que a Globo ocupa as tardes e Malhação.

Claro que seria difícil levar integralmente para a tevê a verve iconoclasta de Adão Iturrusgaray, criador da personagem nas histórias em quadrinhos. Mais ainda as cenas amorosas da trinca com um queijo provolone ou com os amantes e subamantes de Aline. Isso sem falar no sexo com extraterrestres e no período no qual ela se torna garota de programa. Outros personagens do desenhista são ainda mais permissivos. Entre eles, o casal de caubóis gays Rock e Hudson.

De qualquer forma, muitas das piadas dos quadrinhos sobreviveram ao transplante. A série é inteligente, original e sem ranços de bom-mocismo e de mensagens edificantes que se tornaram onipresentes nas novelas globais. E, mesmo sem o narigão e o rabo-de-cavalo que ostenta nas tirinhas, a Aline de Maria Flor tem um humor bastante próximo do original. Criou uma personagem jovem, bonita e com um humor sarcástico e debochado bastante convincente, inclusive com seu jeito meio bobalhão e cabeça fresca. Pedro e Otto ganharam personalidades ingênuas e sonhadoras, respectivamente, com Pedro Neschling e Bernardo Marinho. Os coadjuvantes defendem ótimos personagens secundários.

O traço tosco do artista no papel foi transformado na série em uma visualidade psicodélica, com uma edição ágil que poupa o espectador de muita conversa e resolve os conflitos em narrativas breves e sem a enrolação e a "psicologia" das telenovelas. Há ainda um bocado de computação gráfica aplicada às imagens, o que ajuda a remeter a série aos quadrinhos.

Aline ainda tem uma direção - assinada por Maurício Farias ¿ que sustenta o clima despreocupado e galhofeiro, sem se prender ao naturalismo da teledramaturgia. Apenas merecia um horário mais esperto. Grades televisivas não têm o menor senso de humor.

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