quarta-feira, 5 de junho de 2013

Contos do Edgar – 01×02 – Priscila

Por Marja Martins   


Contos Edgar02 Contos do Edgar   01x02   Priscila

“Mas, enquanto o barão escutava ou fingia escutar a algazarra sempre crescente que se erguia das cavalariças de Berlifitzing- ou talvez meditasse em algum ato de audácia, mais novo e mais decidido-seus olhos se voltaram involuntariamente para a figura dum cavalo, dum colorido fora do comum, representado na tapeçaria como pertencente a um antepassado da família de seu rival. O cavalo se mantinha, no primeiro plano do desenho, sem movimento, como uma estátua, enquanto que, mais para trás, seu cavaleiro derrotado parecia o punhal dum Metzengertein”.

Decidi começar essa review de Contos do Edgar de forma diferente. Como nossa série se trata da adaptação de vários contos de Edgar Allan Poe para a realidade brasileira, decidi começar com um trecho da narrativa original que acho mais impactante em relação a adaptação feita pela produção brasileira. Lembrando que essa é minha opinião, cada um pode ter um trecho que goste mais ou menos nesse conto. Metzengertein! Sim esse conto de nome difícil é talvez um dos poucos contos de Poe que não são narrados em primeira pessoa e também um dos meus favoritos. Ele não é tão conhecido como “Os Crimes da Rua Morgue”, ou ainda “O gato Preto”. No entanto, assim como estes contos, ele tem uma profunda importância para a cultura pop de um modo geral, afinal, Poe foi uma das maiores influencias de certo escritor chamado Stephen King, autor de certo livro chamado “Cristine: o carro assassino”. A história te parece familiar?

O que todos esses “causos” têm em comum é a teoria de que objetos que pertenceram a alguém podem conter uma espécie de maldição e que está pode recair sobre o novo dono. Em Metzengertein nosso objeto era uma tapeçaria que ganhava, pelo menos é assim que me lembro, forma de cavalo e levava jovem barão Frederico de Metzengertein a obsessão, loucura e posteriormente a morte em um trágico incêndio, mais ou menos parecido com o que matou o rival de sua família, o Barão Guilherme de Berliftzing.

Uma rixa entre famílias tendo como foco um objeto de desejo e obsessão por ambas as partes. Esse não é mais a descrição do conto de Poe, mas sim o cenário em que se inicia o relato narrado pelo nosso Edgar tupiniquim neste episódio. Devo admitir que, apesar de ter gostado muito, ainda não consegui sentir a mesma tensão que sinto quando leio o conto original. Pode até ser que seja porque eu já conhecia a história, mas para mim faltou algo. Eu consegui enxergar as os pontos chaves da adaptação do conto, porém senti falta do sombrio, da descrição pesarosa que só os textos de Poe conseguem transmitir.

Contos Edgar01 Contos do Edgar   01x02   Priscila

Não quero dizer com isso que tivemos um episódio ruim, mas que talvez esteja faltando um pouco mais de tempero no suspense da série. Achei super legal que os condes tenham virado mecânicos donos de oficinas rivais, achei mais inteligente ainda que ao invés de apenas um objeto envolvido no conflito, encontramos também uma pobre alma sofredora chamada Priscila. Achei legal essa presença feminina porque ela não existe no conto original e tê-la no episódio trouxe um ar mais romântico e trágico para o episódio. No entanto, lamento que essa personagem não tenha sido explorada nos vinte e sete minutos da forma que merecia. Afinal, além de saber que ela empresta o seu nome para o episódio, que ela fez um “teste drive” na máquina do Mecânico filho do vizinho, teve o pai morto em um incêndio criminoso e depois tacar fogo nela mesma e no cara que lhe deu um pé na bunda, no que mais nossa heroína pensou? Quais eram seus sentimentos em relação ao Fred aka Frederico Mendonça?

Priscila é quem nomeia o episódio e é quem sofre com todas as ações dos outros personagens e é também quem coloca o ponto final na história, só que a impressão que tive foi que ela se tornou uma alegoria que simplesmente conduzia história e não um personagem que merecesse valor.

O foco do episódio foi todo centrado na briga entre Fred e Guilherme, até ai tudo bem, pois esse é o tema principal do conto e esses são os personagens principais. Eles foram muito bem adaptados para nossa realidade tupiniquim e muito bem caracterizados de acordo com ela também. Aliás, devo admitir que a adaptação e a caracterização de cada personagem e dos cenários em que as histórias se passam tem sido o ponto alto dessa série pra mim. Você assiste e se diverte ao ver todos aqueles personagens do século XIX retratados como brasileiros comuns e percebe que os contos escritos a mais de cem anos ainda conseguem ser atuais, se levarmos em consideração que o que Poe fazia nada mais era do que retratar histórias que apesar de estarem entre o bizarro e o fantástico, poderiam muito bem ter acontecido com qualquer pessoa na época, como poderia e acontece nos dias atuais, afinal quem nunca se sentou num bar ou na casa de um amigo e começou a contar os “causos” arrepiantes que aconteceram com o vizinho do amigo do seu irmão, ou algo do tipo.

Contos Edgar03 Contos do Edgar   01x02   Priscila

Trazer o suspense para os fatos do dia a dia e torná-lo instigante sempre foi a arma secreta de Poe, em minha opinião e não há duvida de quanto a isso a série vem fazendo um ótimo trabalho, porém o que me faz revirar um pouco os olhos é essa falta de profundidade em relação aos conflitos internos dos personagens, o que também é uma marca mais que registrada de Poe . Eu vi que esse conflito existia, mais ainda não consegui sentir, não me senti tocada ou instigada ou mesmo assustada com as coisas que estão sendo narradas. Talvez seja cricrizisse da minha parte querer tanto de uma série que apenas está começando e some-se a isso o fato de ela ser nacional.

Não estou aqui desmerecendo nossas produções nem nada do tipo, mas também não vou ser hipócrita ao ponto de dizer que curto as séries que são produzidas aqui. Creio, porém, que esses ventos podem estar mudando e nos levando para outra direção. Acredito que o que estamos vendo em Contos do Edgar pode ser o inicio de uma coisa boa para as séries desse estilo aqui no Brasil e que devemos dar sim, uma chance para elas, parabenizar e prestigiar essas produções para que elas realmente ganhem força e se tornem não só séries nacionais, mas sim séries de qualidade que todo mundo gosta de ver independente de ser brasileira ou não.

Por isso acho importante dizer o que não gostamos. É assim que fazemos com nossas séries enlatadas e não vejo o porquê agir diferente com uma série brasileira. Esse aqui é o meu recado, minha opinião sobre o que estou vendo, mas ela não significa a opinião de todos. Vocês estão mais do que convidados e expressarem a de vocês também. Eu vou ficando por aqui já esperando ansiosamente pelas angústias de certo coração delator, espero encontrar vocês nesta divertida jornada que está sendo redescobrir Edgar Allan Poe com esse temperinho tupiniquim que é só nosso e de mais ninguém.

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