“Mais que os outros estava aguçado o sentido da audição. Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco? Preste atenção! E observe com que sanidade, com que calma, posso lhe contar toda a história”.
Achei legal essa história de começar as
reviews de Contos do Edgar com trechos dos contos que estão inspirando
os episódios da série. Decidi tornar isso minha marca registrada
. Como já falei para vocês, apesar de estar acompanhando a trama com
bastante entusiasmo, ainda não tinha sentido o clima de suspense e a
profundidade que uma série focada na obra de Edgar Allan Poe deveria
transmitir, isso até eu assistir Íris semana passada.
A série agora começa a caminhar para um crescente nesse sentido. Se em Priscila e Berenice,
nossas protagonistas apenas sofriam com as ações desencadeadas pelas
loucuras e devaneios de seus amantes e parentes, Íris se mostrou uma
protagonista bastante ativa. Uma menina que vive no submundo das drogas,
das baladas, de tudo que é obscuro, permissivo, underground, em outras
palavras, tudo aquilo que lembra Poe. Acho que até agora, de todas as
trágicas moçoilas que passaram por nossas telinhas, Íris é a que mais
resgatou o espirito de inquietude, obscuridade e os questionamentos que a
obra de Poe coloca em foco em cada conto.
Abro nossa discussão sobre este episódio com a mesma pergunta feita pelo que nosso mórbido herói: “Será que música alta e gente feliz no meio da noite, podem incomodar os monstros que vivem dentro da gente?”.
Quando li que Íris se basearia em dois contos de Poe, ao invés de
apenas um, fiquei curiosa para saber como eles encaixariam as duas
histórias. Apesar de ter lido “O Coração Delator” e “O Demônio da
Perversidade”, jamais percebi semelhanças entre os dois.
Em “O Coração Delator”, um homem
atormentado pelos olhos azuis de um velho acaba cometendo homicídio para
tentar dar fim em sua própria agonia, já em “O “Demônio da
Perversidade”, temos um relato de um jovem que almejava a fortuna de
uma velha parenta e decide mataála com uma vela envenenada. Ambos os
contos trazem por meio de suas narrativas de homicídio, verdadeiros
ensaios sobre o inconsciente humano. No primeiro, Poe relata um caso de
monomania, um tipo de paranoia em que a pessoa que a possui se torna
obcecada por uma ideia ou pessoa e no segundo um verdadeiro ensaio sobre
a psicopatia.
Ao trazer estes dois textos para a TV. Contos do Edgar chega ao seu melhor episódio até agora. Voltando a pergunta de nosso Edgar tupiniquim, o que acontece durante a noite pode sim despertar nossos sentimentos, medos e desejos mais obscuros. Quem nunca teve medo do escuro quando era criança? Quem nunca perturbou o papai ou a mamãe porque confundiu um armário ou cabide com um monstro e não conseguiu mais ficar sozinho no quarto? Quem nunca apressou o passo na rua porque o local que estava caminhando lhe parece soturno, suspeito ou perigoso? Assim, quando Edgar nos apresenta o caso de Seu Jorge e a menina Íris, temos uma situação mais ou menos parecida. Só que ao invés de monstros e escuridão, nós temos algo pior.
Ao realizar festas regadas a muito
álcool, drogas e musica alta, a menina Íris acaba incomodando o nosso
vovô não só com o barulho, mas também com a juventude e o vigor físico
que seu Jorge já não possuía mais. O barulho de festa passa a se tornar
um lembrete audível de que Jorge estava no final da vida, era um velho
decrepito que já não possuía utilidade nenhuma. O Som começa a martelar
sua cabeça, deixa de ser um lembrete e passa a se tornar uma ideia fixa.
Será que realmente a idade lhe tirara a vitalidade e a vontade de ser
feliz? O som passa a se tornar mais que uma situação incomoda entre
vizinhos, ele se torna uma monomania, uma ideia fixa que leva nosso
simplório velhinho a cometer um ato extremo.
Ao contrário de nossas outras heroínas,
Íris, não é nem de longe uma vitima dos delírios das pessoas ao seu
redor. Ela é a personificação do demônio da perversidade, da ideia fixa e
dos impulsos autodestrutivos que habitam cada um de nós. Afinal, todo
mundo tem um lado bom e um ruim. Todos nós “teremos a violência do
conflito que se trava dentro de nós, entre o definido e o indefinido,
entre a substância e a sombra. Mas, se a contenda se prolonga a esse
ponto, é a sombra que prevalece” (trecho do conto O Demônio da
Perversidade). Íris representa essa escuridão, esse desejo pelo
proibido, pelo obscuro, o impulso de transgredir as regras de
convivência social e desrespeito pelo próximo em detrimento de nossos
próprios prazeres. Íris é não só a vitima do homicídio tramado por
Jorge, ela também foi causadora de toda a situação em que se envolveu.
O fim do episódio é exatamente como o fim dos dois contos, nosso assassino desesperado confessa seu crime, não por que sente culpa, mas porque a sua mente já se encontra dominada pela angústia e pela loucura, a doença que exacerbara seus sentidos e os destruiu. Para mim este foi um episódio bem melhor que os outros no sentido de se aprofundar no conteúdo encontrado na obra de Poe.
Vou encerrando por aqui, aguardando
ansiosamente a próxima terça-feira onde teremos uma adaptação de um dos
meus contos favoritos “A Máscara da Morte Rubra”. Vamos ver o que o
nosso Edgar Tupiniquim encontrará a se cruzar o caminho de Cecília,
nossa próxima heroína.
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