A doce e perigosa arte da sedução
Em seu segundo capítulo, “Amores Roubados” continua calmamente
construindo sua história de amores e destruição. A impressão que o texto
da minissérie me passou, até este momento, é que estão construindo um
castelo de cartas… Lindo, vistoso, mas absurdamente perigoso, ao qual
sabemos que irá desmoronar em muito breve. E olha que ainda estamos na
base deste castelo.
Aqui vimos Leandro continuar sua coleção de amores, aqueles tais “roubados” que dão título à obra. O rapaz é um Don Juan
nato e vive em razão de atrair e acumular a imaginação de mulheres
comprometidas mas, por quaisquer razões, infelizes. E a mais nova vítima
do ardil do jovem sedutor é a doce e triste Isabel.
A construção da personagem feita por Patrícia Pillar é de saltar aos
olhos. O roteiro e a direção tratam de mostrar, a cada momento, a
fragilidade daquela mulher, seja em suas solitárias e melancólicas
cenas, seja na sua submissão latente perante o marido ou nas referências
visuais ou textuais ao uso dos remédios que, aparentemente, criam a
barreira psicológica que Isabel precisa para exercer seu papel na alta
sociedade de Sertão. Mas nada nos revela tanto sobre Isabel que seus
olhares, sua postura e sua fala nada ameaçadora. É um trabalho
minimalista, mas magistral, e Patrícia Pillar que, novamente em sua
brilhante carreira, nos apresenta uma personagem memorável.
Não é atoa que, no ápice de Isabel no episódio, pudemos ver a
personagem delirar com os carinhos de Leandro enquanto estava abraçada
ao livro de poema que lhe esquentava a alma. Ali fora representado de
maneira crua e poética a realidade por trás de Isabel: uma mulher triste
e solitária, que só busca um pouco de atenção e carinho. Mesma atenção e
mesmo carinho que dá aos pobres garotos da escola, ao seu marido, a sua
filha, sem a reciprocidade que quer e merece. Talvez por isso tenha
sido tão difícil para Isabel resistir aos charmes e encantos de Leandro,
que apareceu e lhe ofereceu exatamente aquilo que Isabel mais anseia:
atenção.
As “coincidências” textuais e técnicas são tantas que não há como não
criar um link entre “Amores Roubados” e “O Canto da Sereia” e, o que
mais me agrada aqui é o ritmo com que a trama tem sido apresentada.
“Sereia” foi excelente, isto é inegável, mas o fato de ser uma
minissérie de apenas quatro capítulos impôs um ritmo mais acelerado,
necessário à história. Aqui, em “Amores”, o ritmo é mais lento, mais
cuidadoso, mais deliberadamente arrastado, de forma a nos fazer notar
essas pequenas evoluções pelas quais essas personagens estão passando… E
a evolução de Isabel foi o grande motor deste segundo capítulo, que
continua agradando e prendendo o público, fazendo-nos inertes ante a TV,
aguçando sua curiosidade.
Em outro oposto temos Celeste, mais um troféu da estante de Leandro. E
aqui se faz necessário dizer: Dira Paes está deslumbrante e é a grande
dona da minissérie nestes dois primeiros capítulos. Celeste é o completo
oposto de Isabel. Enquanto esta é dotada de tons melancólicos e segura
com um sorriso amarelo a infelicidade em que se encontra mantendo-se
fiel ao marido, à filha e, sobretudo, ao seu papel na família, sua
melhor amiga é puro fogo. Celeste tem um marido apaixonadíssimo, que a
venera, luxo e riqueza e um lar que, diferentemente do de Isabel,
demonstra surpreendentes equilíbrio e felicidade. Mas equilíbrio é tudo o
que falta à Celeste.
Impetuosa, fogosa e impulsiva, Celeste não busca em Leandro acalentar
sua alma – o que fez Isabel encantar-se pelo rapaz – mas sim saciar
seus desejos carnais. Leandro é igualmente para Celeste um troféu. É o
balde de água fria que tenta apagar o fogo que lhe consome e que nem
mesmo a própria Celeste é capaz de entender. Isso fica claro na cena
final do capítulo onde, tomada pelo impulso, Celeste vai atrás de
Leandro cobrar-lhe satisfações. Aquilo não foi ciúme, mas sim a
representação da possessão destrutiva que Celeste tem com seu amante, a
necessidade de mostrar-se dona de si, de mostrar-se poderosa.
Necessidade essa que Celeste demonstra a cada cena e que se estende aos
seus empregados, que nunca a agradam. Leandro também não lhe sacia por
completo, mas na mente de Celeste, ele é dela e apenas dela.
E assim, entre Celeste e Isabel, já está claramente definida a base
daquele castelo de cartas que citei acima, aquele que Leandro começara a
construir quando voltou ao sertão. E isso tudo em apenas dois
capítulos… Temos mais oito para vermos como se desenvolverá esse
triângulo e como a peça final – que acredito ser Antônia – desmoronará
de uma vez por todas com este pequeno castelo.
Para não dizer que não citei o resto do episódio, todo o elenco
continua brilhando absurdamente e, se não foram devidamente esmiuçados
nesta review foi unicamente em razão do pouco destaque que tiveram. Mas
podemos esperar bem mais de alguns personagens que, na hora certa,
crescerão como a história nos promete e isto já me deixa na expectativa
de ver Murilo Benício, Osmar Prado, Ísis Valverde e, sobretudo, Cássia
Kis Magro brilharem e nos presentearem com cenas memoráveis, daquelas
que marcam a história da televisão. E um nome, mais do que todos estes,
que promete brilhar de maneira absoluta é o de Irandhir Santos. A cada
cena de João, a cada mistério, a cada olhar, a cada fala, a cada gesto,
eu posso ouvir o tique-taque de uma bomba prestes a explodir.
Sobre os quesitos técnicos, não há muito que se adicionar, pois
continuaram neste episódio absolutamente perfeitos e, bem, quando se
atinge a perfeição, não há mais para onde ir. José Luiz Villamarim e
Walter Carvalho continuam dando aula de direção e fotografia,
respectivamente, a cada segundo de “Amores Roubados”. Eu assistiria esta
minissérie no mudo só pra prestar atenção aos aspectos técnicos e
ficaria igualmente feliz ao fazê-lo. Outra coisa que merece destaque e
que eu injustamente esqueci-me de mencionar na review anterior é a
trilha sonora que é simplesmente primorosa. Diferente, original e
absurdamente orgânica, a trilha da minissérie já praticamente desponta
como um personagem a parte desta história.
::: Alguns Devaneios Finais:
- “Amores Roubados” não apenas se mostrou um sucesso do ponto de
vista técnico, mas também de público. Sua estreia rendeu 31 pontos na
Grande São Paulo (principal mercado publicitário brasileiro). Os maiores
números desde “Amazônia: de Galvez a Chico Mendes”, última
minissérie-novela da Globo. Ou seja, foi a melhor estreia da Globo no
novo formato que a emissora assumiu há pouco mais de 7 anos.
- Os episódios continuam passando absurdamente rápidos. Isso é sinal de que estão sendo muito bons.
- Após me fazer escutar Intro (The XX) em loop eterno durante o dia
de hoje, eis que o episódio nos traz “Plain Gold Ring” de Nina Simone
numa cena lindíssima – com uma fotografia impecável – em frente ao mar.
Que trilha é essa, meu senhor?
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