A frase que abre esta crítica é certamente uma mensagem direta dos idealizadores de “Amores Roubados” ao público. Não estamos diante de uma produção que se usa de dramalhão barato e bebês abandonados em caçambas pra prender o público e fazê-lo torcer pelos mocinhos e odiar os vilões. Para ser honesto, nem existem mocinhos e vilões em “Amores Roubados”. Não os tradicionais, ao menos. Nesta minissérie certamente não teremos humor pastelões ou hits do sertanejo universitário para criar tendências que o público vai seguir e reproduzir cegamente… Não é nada disso.
“Amores Roubados” é um convite a uma degustação às cegas… Uma degustação dos mais puros sentimentos humanos… Amor, desejo, ódio, vingança, luxúria, ostentação… Tudo ali exposto na cara do grande público em um texto que passa longe de desmerecê-lo, tudo incrivelmente multidimensional, que o obriga a sair do “piloto automático” das novelas e sentir o prazer de se deliciar com uma trama mais complexa, mais crível, mais crua. E tudo isso com uma direção segura e uma fotografia que salta aos olhos, fazendo o árido do sertão um elemento extra desta degustação.
A Globo adora se desafiar e, de vez em quando, lançar produtos que vão contra sua própria filosofia populesca. Produtos de enorme qualidade técnica e textual, que desafiam o público “comum” e ignoram o desejo comercial inicialmente previsto. Foi assim com “Hoje é dia de Maria”, “Capitu”, “Som & Fúria” e, mais recentemente, “O Canto da Sereia”. E é essa a promessa que “Amores Roubados” nos dá. Mais um produto de qualidade da mais qualificada emissora para produzi-lo.
Escrita por George Moura (O Canto da Sereia) sob a supervisão de texto de Maria Adelaide Amaral (Dercy de Verdade, Dalva e Herivelto), “Amores Roubados” adapta o romance “A Emparedada da Rua Nova”, do pernambucano Carneiro Vilela em dez capítulos, com a direção-geral do excepcional José Luiz Villamarim (O Canto da Sereia, Avenida Brasil) e um elenco de peso, encabeçado por Cauã Reymond, Ísis Valverde, Patrícia Pillar, Murilo Benício, Dira Paes, Osmar Prado e Cássia Kis Magro, e conta a história do charmoso sommelier Leandro Dantas que se envolverá com três mulheres desencadeando uma série de eventos que irão marcar a alta sociedade de Sertão e suas próprias vidas para sempre.
E é exatamente este o propósito deste primeiro capítulo: introduzir a trama de Leandro, dando grande destaque à personalidade aventureira do rapaz que, sem medo do perigo, se envolverá numa trama de sexo e traições que fatalmente terá um final trágico. Nem mesmo era necessária a cena inicial onde vemos, quatro meses no futuro, Leandro baleado em meio a uma perseguição. O final da trama é previsível. Todos nós sabemos que não terminará nada bem para Leandro (Reymond) e nem para as mulheres que não resistiram ao seu charme… O mais interessante em “Amores Roubados” será acompanhar os caminhos que levarão Leandro e suas amantes até seus respectivos finais trágicos. E, a contar por este primeiro episódio, que flui de maneira a nos dar a impressão que o tempo voou, acompanhar essa trama será um deleite pelas próximas duas semanas.
Tecnicamente falando, “Amores Roubados” fez uma estreia irretocável. A direção segura de Villamarim foi um dos fatores que fez o público ficar vidrado em “Avenida Brasil” e em “O Canto da Sereia” – ambos também sob o núcleo de Ricardo Waddington -, onde o diretor pode empregar um ritmo mais rápido e fluído, mais “seriado” e menos “novelesco” e, a contar por este primeiro capítulo, “Amores Roubados” continua trazendo esta já tradicional assinatura deste excelente diretor.
E é mais surpreendente ver que, mesmo com essa excepcional direção de Villamarim, quem roubou a cena mesmo foi Walter Carvalho com uma direção de fotografia que tornou o árido sertão o principal personagem deste capítulo. Foram sob os deslumbrantes cenários que conhecemos Leandro, Antônia, Jaime e Carolina, fazendo com que suas próprias biografias se mesclassem com a terra à que pertencem e onde suas tramas se desenvolverão a partir de agora aos nossos olhos.
E já que falei dos personagens, não há como não elogiar o elenco espetacular que protagoniza a minissérie. Ainda que tenhamos inúmeros personagens magníficos, é Leandro o grande fio condutor desta história e Cauã Reymond levou boa parte deste primeiro capítulo com segurança e uma construção perfeita de sua personagem. Ao lado de Cauã, quem teve grande chance de brilhar também foi a excepcional Dira Paes que, com a fogosa e exuberante Celeste, mostra que está construindo mais uma personagem memorável em sua carreira. A família Favais também teve destaque o suficiente para mostrar a força de seu núcleo e, sendo Murílo Benício, Patrícia Pillar e Ísis Valverde alguns dos principais nomes no casting da Globo em suas respectivas gerações, fiquei vidrado a cada cena em que apareciam Jaime, Isabel e Antônia, expondo a fragilidade desta família que será completamente devastada pelo “furacão” Leandro. E mesmo num episódio tão curto, ainda pudemos ser presenteados pela dubiedade e mistérios que Cássia Kis Magro e Irandhir Santos imprimiram nas primeiras cenas de seus personagens, a ex-prostituta Carolina – mãe de Leandro – e o braço direito de Jaime, João.
Sem muito mais para falar, já que o capítulo apenas nos introduziu Leandro e nos deu uma pequena demonstração dos problemas que o rapaz trouxe ao árido sertão, faço menção honrosa a excelente cena da degustação às cegas, que já havia sido parcialmente mostrada nas chamadas da minissérie, mas nem por isso perdeu seu brilho quando executada no capítulo e demonstra com maestria tudo o que citei nos parágrafos anteriores: a minuciosa e excepcional união entre um ótimo roteiro, um elenco poderoso e uma direção competente. Um daqueles marcos da televisão, a exemplificação visual de um produto impecável.
Como disse nos parágrafos iniciais desta crítica, este primeiro capítulo de “Amores Roubados” foi como se fosse mais uma das degustações promovidas por Leandro, nos deixando aquele gosto de quero mais na boca.
Eu, certamente, quero mais… E vou continuar acompanhando “Amores Roubados” buscando os pequenos prazeres que a produção pode me oferecer. Estão todos convidados a embarcar nesta viagem comigo aqui no Série Maníacos pelas próximas duas semanas e, por favor, me digam como fora esta degustação inicial de “Amores Roubados” para vocês também.
– pequeno trecho de “O Limite”, livro que Isabel leu durante o capítulo e que, juntamente com a composição de Patrícia Pillar, fala muito sobre a personagem.
- A química entre Cauã Reymond e Dira Paes durante o episódio foi coisa de outro mundo, ainda mais considerando que as cenas de sexo foram incrivelmente trabalhadas pela direção de arte da minissérie, passando bem longe do vulgar.
- Uma minissérie que conta com The XX na trilha sonora merece ser reverenciada.
- A abertura da minissérie é simplesmente magnífica. Trabalho visual perfeito conceituada por Zé Luís e executada por Alexandre Pit Ribeiro e Flávio Mac.
Um comentário:
Pessoal, colocar apenas o nome do autor original, sem colocar link para o Série Maníacos não adianta nada.
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