domingo, 8 de abril de 2012

Filme “A Novela das 8” homenageia a telenovela brasileira


A proposta inicial do filme A Novela das 8 – de Odilon Rocha, que estreou sexta, 30/03, nos cinemas – é interessante: mesclar realidade e fantasia através de uma trama fictícia que homenageia a teledramaturgia brasileira. A história se passa entre São Paulo e Rio de Janeiro em 1978, ano marcado pelo sucesso da novela Dancin´ Days, no horário nobre da Globo. A trama da novela abordava – de uma forma ampla – a liberdade, o que, nas entrelinhas, fazia um contraponto com a ditadura do Regime Militar no período. Na época, a telenovela em geral era acusada pelos intelectualóides de alienante, “ópio do povo”. Ou uma “válvula de escape” contra a dura realidade política e sócio-econômica do país.

De um lado está a figura sofrida de Dora (Cláudia Ohana), uma mulher que esconde seu passado de guerrilheira, que teve que se afastar da família e foi morar em São Paulo, onde trabalha como doméstica. Do outro, está a esfuziante Amanda (Vanessa Giácomo), a patroa de Dora, uma prostituta que vive num alienado mundo de fantasia, apaixonada pela novela Dancin´ Days e que sonha em conhecer a discoteca real que existe no Rio de Janeiro.

Gosto, particularmente, de um diálogo entre Dora e Amanda que mostra bem a diferença entre as duas personagens:

Dora: – Esses caras, o que eles fazem, não aparece na novela das oito!


Amanda: – Sei disso! Só que a gente precisa sonhar. Senão a gente morre!

Um incidente fatal faz com que Dora e Amanda fujam para o Rio com uma mala cheia de dinheiro, dispostas a mudar de vida. Enquanto uma vai realizar o sonho de conhecer a discoteca carioca, a outra vai acertar contas com o passado e tentar uma aproximação com o filho que teve que abandonar quando ele era criança. Ohana e Vanessa se destacam no filme com seus papeis.



O diretor Odilon Rocha, a princípio, até dosa bem a trama pretensamente política com a história melodramática. Mas, ao retratar os “anos de chumbo”, sucumbe a todos os clichês possíveis, com cenas de tortura, diálogos ufanistas e vilões maniqueístas – como o personagem de Alexandre Nero, o agente repressor que vai ao encalço de Dora e seus amigos “comunistas”. Esse deslize é perdoado quando fica claro que a proposta maior do filme é justamente transformar a realidade num folhetim de televisão.

É na trama de Amanda que está a homenagem à telenovela e o barato do filme. Amanda não funciona apenas como um mero “refresco cômico” à dura realidade de Dora. Amanda é um convite para Dora cair na fantasia, como na letra da música-tema da novela: “abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia, entre nessa festa”. O universo de Amanda é uma válvula de escape para Dora.

Dancin´ Days é citada o tempo todo, mas o filme não tem nada a ver com a trama da novela, que funciona apenas como pano de fundo. Entretanto, os mais atentos reconhecerão em A Novela das 8 alguma inspiração na história de Gilberto Braga. Dora é uma mulher sofrida que abandonou o filho pelas “circunstâncias da vida” e que tenta uma reaproximação com o garoto já adolescente, que não a conhece – tal qual Júlia, a heroína de Dancin´ Days, vivida na novela por Sônia Braga. Outra referência está no personagem de Mateus Solano, um diplomata desencantado com a carreira – como era Cacá, interpretado por Antônio Fagundes na novela da Globo.

Muitas são as referências à época retratada, como na trilha sonora – com hits da disco music -, figurinos, caracterizações e elementos de cena – Vanessa Giácomo aparece vestida igualzinha à Júlia da novela, quando ela dança triunfalmente na Dancin´ Days. Um detalhe que salta aos olhos: Lidia Brondi, jovenzinha e sorridente, estampando a capa de uma revista Contigo da época.

Uma novidade é que a trama folhetinesca de A Novela das 8 vem atualizada: o filho de Dora, Caio (Paulo Lontra), é um adolescente gay que se envolve com o personagem de Mateus Solano – trama impensável para uma novela de televisão nos repressores anos de chumbo.

A Novela das 8 é um filme bacana e extremamente folhetinesco, como um bom roteiro de novela. Vale pela homenagem à nossa teledramaturgia.

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