quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Do 'Grande teatro Tupi' às Helenas, Manoel Carlos ajudou a consolidar a TV brasileira


Dias após completar 18 anos, Manoel Carlos Gonçalves de Almeida estreou na TV Tupi como ator. Era março de 1951 e Cassiano Gabus Mendes, diretor artístico da emissora recém-inaugurada, precisava "de mão de obra para manter uma programação de algumas horas no ar", conta Maneco. Na época, ele integrava uma trupe de teatro amador dirigida por Antunes Filho, que foi convidada a encenar clássicos da dramaturgia, ao vivo, na TV. Assim começou a trajetória de um dos protagonistas da História da televisão brasileira. Bem antes de suas novelas virarem grife com Helenas desfilando pelo Leblon, o autor também participou da inauguração da TV Paulista (1952), Record (1953) e TV Excelsior (1960). Nos anos 70, dirigiu o "Fantástico", da TV Globo, em seus primeiros anos de existência. E, aos poucos, foi deixando de ser um "ator sem convicção" para se dedicar exclusivamente a escrever - novelas, minisséries, poemas, crônicas...

Nesta entrevista concedida à Revista da TV, Maneco relembra bastidores do veículo nas últimas seis décadas e prevê o futuro. Para ele, a novela terá vida longa: "Digamos, de brincadeira, que ela um dia passe de filé mignon a contrafilé. O que deve vir por aí, com força, e com algum atraso, são as séries, que já conquistaram o mundo inteiro".
O GLOBO: Como era o ambiente de trabalho nos primeiros meses de vida da TV Tupi?

MANOEL CARLOS: Tudo era muito atraente, principalmente por ser uma novidade que nos surpreendia a cada instante. Os estúdios e o equipamento técnico eram adequados e mais que suficientes para o que sabíamos fazer. Esse começo não despertou ambições num primeiro momento, já que desconhecíamos o potencial da televisão. O improviso era inevitável e necessário, uma vez que toda a programação era ao vivo. Pensando nisso agora, vejo que nada fizemos que pudesse nos envergonhar.

Quais são as lembranças que o senhor guarda do "Grande teatro Tupi"?

MANECO: Éramos um grupo disposto a fazer a melhor televisão do mundo. E acho que diante das dificuldades, até que conseguíamos isso ou quase isso. O "Grande teatro" foi uma escola. Fazíamos tudo com muita garra e éramos bastante ambiciosos no que se refere a repertório. Fizemos os clássicos e os modernos, em espetáculos de três, quatro horas de duração. Sinto saudade desse tempo heroico e de companheiros tão queridos.

Além de atuar, o senhor escreveu mais de cem peças para o Grande teatro Tupi...

MANECO: Fui um ator sem convicção, mas me orgulho de ter sido o autor principal do "Grande teatro" nos seus primeiros anos. Era uma televisão com recursos precários, mas com gente muito talentosa, que transpunha as dificuldades que apareciam. Acredito que 90% dos atores e atrizes brasileiros passaram pelo "Grande teatro", que tinha direção alternada de Sérgio Britto, Fernando Torres e Flávio Rangel.

E qual é a importância do teleteatro para o desenvolvimento da TV e fidelização do público?

MANECO: Acho que o que sabemos fazer melhor na televisão é dramaturgia: novelas, séries e seriados. E o teleteatro é a mãe e o pai de todos esses formatos. Não poderia estar fora do ar.

Na TV Excelsior, o senhor foi o diretor geral do "Brasil 60". Como foi a criação do programa?

MANECO: Escrevi o show de inauguração da Excelsior e, quando o evento terminou, com visível sucesso, o Álvaro Moya me perguntou se eu não queria fazer um show naqueles moldes aos domingos. Precisávamos apenas de um teatro. Fomos à Sociedade de Cultura Artística e conseguimos alugar o grande auditório, no Centro de São Paulo. Depois, saímos à cata de alguém que pudesse apresentar e o ator Jayme Barcelos lembrou-se da Bibi Ferreira. Viemos ao Rio, conversamos e ela aceitou fazer. O "Brasil 60" foi o "Fantástico" em cima de um palco, ao vivo.

Como foi o seu trabalho na direção dos lendários musicais da Record?

MANECO: Essa foi a época de ouro dos musicais. "O fino da bossa", que foi o primeiro deles, nasceu sob inspiração dos shows universitários, em São Paulo, comandados por Walter "Pica-pau" Silva, um valoroso homem de rádio. Quando a Elis Regina ganhou o Festival da TV Excelsior, com "Arrastão", seu talento e magnetismo eram tão claros e poderosos que imediatamente chamou a atenção de todos. Nós a contratamos para a Record e demos a ela e ao Jair Rodrigues o comando do programa. E "O fino da bossa" gerou o "Bossaudade", com Elizete Cardoso e Cyro Monteiro, a "Jovem Guarda", com Roberto, Erasmo e Vanderléia, o "Essa noite se improvisa" e muitos outros filhotes.

E o que foi a famosa Equipe A da Record?

MANECO: A demanda era grande. Foi quando Tuta de Carvalho, Nilton Travesso, Raul Duarte e eu resolvemos trabalhar juntos, como uma equipe que criava, escrevia, produzia e dirigia os programas. O nome Equipe A deve ter nascido do fato de ser a primeira a nascer. Nos desdobrávamos de tal maneira que não ficamos só nos musicais. Fizemos o programa da Hebe Camargo, a "Família Trapo". Éramos incansáveis, cheios de gás. Éramos jovens, enfim.

Qual foi o papel do senhor na estreia do "Fantástico", em 1973, na TV Globo?

MANECO: Eu fui fazer o "Fantástico" como autor dos textos que ligavam os quadros do programa, que teve também o Maurício Sherman e o João Loredo como diretores. Quando o Boni instituiu o diretor geral, me convidou para a função. Era uma trabalheira danada, mas muito gratificante. Dividimos o programa em show, teleteatro, jornalismo e reportagens especiais. De alguns anos para cá, noto que ele ficou essencialmente jornalístico, eliminando o show, a dramaturgia e o humor, perdendo sua característica de revista de variedades. Faz falta um grande número musical entre as reportagens, assim como faz falta o humor de um Chico Anysio, uma das suas mais importantes atrações.

Quando resolveu se dedicar apenas a escrever?

MANECO: Tinha esse projeto já há bastante tempo: a vontade de trabalhar em casa. Em 1977, a convite do Boni e do Herval Rossano, fui falar com o Borjalo, que me passou o romance "Maria Dusá", do Lindolpho Rocha, por sugestão do Paulo Mendes Campos. Eu li, gostei e aceitei a tarefa. "Maria Maria" terminou em junho de 1978, com 120 capítulos, e já em outubro, escrevi "A Sucessora", inspirada no romance de dona Carolina Nabuco. Era o teleteatro que, de uma certa maneira, voltava para mim. Era o que eu queria. Por isso estou nisso até hoje: 12 novelas.

As novelas correm risco de extinção?

MANECO: Uma boa história bem contada é irresistível, não há quem não goste, tal como foram os folhetins do século XIX. Por isso, não acredito que ela acabe. Passará por mudanças, como toda a programação de TV deve e precisa passar, mas seguirá em frente. Para mim, o máximo que poderá ocorrer com as novelas, significando desgaste grave, será a transferência do horário em que está para mais cedo ou mais tarde. Digamos, de brincadeira, que ela um dia passe de filé mignon a contrafilé. O que deve vir por aí, com força, e com algum atraso, são as séries, que já conquistaram o mundo inteiro. Mas as séries não substituirão as novelas. Elas coexistirão.

O senhor gostaria de escrever séries?

MANECO: Sem dúvida. Minha experiência escrevendo episódios de "Malu Mulher" foi gratificante. Acredito que séries como "Plantão de Polícia", do Aguinaldo Silva, realizada em 1980 e que teve quase 100 episódios, poderia estar no ar até hoje, através de temporadas. Não existe país mais adequado a essa série do que o Brasil. E dentro do Brasil, o Rio. Era um trabalho brilhante. Se não continuou, que pelo menos possa voltar.

A História dos 60 anos da TV no Brasil tem final feliz?

MANECO: Já vi televisão nos países mais desenvolvidos. E nenhum faz uma televisão comercial melhor do que a nossa, tecnicamente e em conteúdo. Nosso jornalismo e nossa dramaturgia são imbatíveis.

E, para terminar, qual momento o senhor elege como o mais marcante das últimas seis décadas na TV?

MANECO: Não dá para esquecer (jamais dará!) a chegada do homem à Lua, a queda de Nixon, a guerra do Vietnã, a campanha das Diretas Já e o atentado terrorista em Nova York, em 2001. Ao comemorar esses 60 anos, a minha sugestão é que se faça uma grande homenagem a quatro profissionais-símbolos, até hoje na ativa: Lima Duarte, Laura Cardoso, Lolita Rodrigues e Hebe Camargo. Pensem bem: eles estão no ar há 60 anos! Não é proeza para qualquer um. São eles os verdadeiros campeões de audiência.

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