segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Militantes no período da ditadura compartilham experiências com elenco de 'Amor e revolução'


"Não somos vítimas, nem heróis. Somos sobreviventes. Queríamos mudar o mundo e arrisco dizer que ainda quero". A frase de Ana Bursztyn Miranda, que lutou contra a ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985, vai ecoar pelos próximos meses emtre o elenco e a equipe da nova novela do SBT, "Amor e revolução", com estreia prevista para março. Assim como Ana, outros 12 integrantes da resistência nos Anos de Chumbo deram seus depoimentos num workshop de preparação que durou mais de 20 horas, semana passada. Suas histórias de luta, prisões, tortura, amor e juventude levaram o elenco às lágrimas e traçaram um panorama da diversidade de pessoas que sofreram e lutaram contra a ausência da democracia.

A força dos relatos também impactou Tiago Santiago, que escreve a trama com a colaboração de Miguel Paiva e Renata Dias Gomes. Os depoimentos estão sendo gravados e serão exibidos ao final de cada capítulo. Santiago contou que escreve a novela como "uma história real com personagens fictícios".

- Esse período me fascina por causa dos radicalismos, tanto de esquerda quanto de direita - explica o autor, comemorando o horário previsto para a novela (após as 22h) e o fato de que será exibida ao mesmo tempo em que é escrita e gravada, coisa inédita no SBT, permitindo ajustes ao longo dos oito meses de exibição.

Os protagonistas são Claudio Lins e Graziella Schimitt: ele, José Guerra, um militar, e ela, Maria Paixão, uma guerrilheira, viverão um amor impossível. Guerra vai desertar do exército para se juntar à luta armada, assim como fizeram na vida real Carlos Lamarca, Onofre Pinto e Carlos Eugênio Paz. Entre os guerrilheiros, estão também Lúcia Veríssimo, como Jandira, e Licurgo Spínola, como Batisteli.

A repressão será representada por Jayme Periard, como o delegado Aranha, e Nico Puig, no papel do general Filinto Guerra. Luciana Vendramini será Marcela, uma advogada que luta pela libertação de presos políticos. "Amor e revolução" terá ainda núcleos de jornalistas e artistas, mostrando formas pacíficas de resistência.

Santiago contou no workshop que planeja localizar o folhetim no período histórico que vai de 1964, ano do Golpe Militar, a 1972.

- Em 1972, eu estava presa. Todos estávamos ou presos, ou morrendo, ou exilados. Assim vai ficar uma história muito triste - protestou Ana.

Diante dos protestos, Santiago cogita incluir um epílogo para mostrar finais felizes. O diretor da novela, o experiente Reynaldo Boury, em seu primeiro trabalho no SBT, já recebeu 26 capítulos e começa as gravações nesta segunda-feira.

- Tem muita ação e tortura. Refletem os depoimentos que ouvimos - diz Boury, que planeja ser sutil nas cenas violentas: - Vamos mostrar o que vai acontecer, não o que está acontecendo, para poupar o público.

Foi a primeira vez que o SBT realizou um workshop para preparar o elenco de uma novela. Chamou a atenção dos atores o clima de camaradagem entre os palestrantes.

- Jamais vivi um momento de tanta união como no período em que lutávamos contra a ditadura - contou Carlos Russo Jr., ex-líder estudantil e integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Russo lembrou sua falta de intimidade com armas quando ingressou na luta armada. Na primeira vez em que pegou num revólver de calibre 38, levou-o ao banheiro da casa de seus pais. Engatilhou a arma e não sabia depois como desengatilhá-la.

- Se disparasse, meu pai ia me matar - lembrou ele, demonstrando ter mais medo do pai do que dos torturadores e arrancando risos da plateia.

A prisão do jornalista Alípio Freire, ex-militante da Ala Vermelha (grupo de luta armada dissidente do PC do B) renderia uma cena tragicômica.

- A cueca slip era novidade. Eu e um amigo havíamos comprado. Quando éramos presos, nos obrigavam a tirar a roupa. Os militares viram minha cueca e disseram: "Olha só a calcinha preta deste terrorista". Outro comentou: "É igual à vermelha do que prendemos ontem". Foi assim que soube que meu amigo também tinha caído - lembrou Freire.

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