quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Alice: um balanço da temporada


Alice é o tipo de série que desperta a atenção do espectador logo de cara. Com estórias envolventes e personagens interessantes mergulhados em uma trilha sonora perfeitamente encaixada, tem todos os elementos para o sucesso. Alice é mais um investimento da HBO em séries originais brasileiras, e pode-se dizer que não há do que se arrepender. Assim como em Filhos do Carnaval e Mandrake, a produção é cuidadosa e muito bem feita.

A série traz aspectos diferentes do que estamos acostumados a ver em uma produção brasileira - a começar por uma premissa nova, atual. A história é atraente e focada nos desafios de uma jovem que vem de Palmas para São Paulo - inicialmente apenas para resolver alguns assuntos da herança de seu pai (que se suicidou). Alice se encanta pela metrópole, decide ficar, conhecer suas origens e construir uma vida.

Há simpatia com a personagem e na medida que vivenciamos sua história é possível até se identificar com alguns sonhos e situações enfrentadas por ela. Essa sensação de proximidade é muito bem trabalhada por meio das pequenas intervenções narrativas da protagonista. O recurso insere o espectador na trama, o envolve em aflições, felicidades e algumas vezes até há a impressão de conversar com Alice.

O enquadramento e fotografia são excelentes e dão um ar cinematográfico à série. O uso de contrastes, cores fortes quase “estourando”, imagens desfocadas e tomadas panorâmicas de São Paulo à noite - que mostram a imensidão e beleza da metrópole - criam uma identidade estética charmosa e atraente.

Em meio a todos estes detalhes quem se destaca mesmo é o elenco. É impossível não notar o trabalho incrível de Andréia Horta no papel de Alice. A atriz mostra muita competência ao dar à personagem um nível de veracidade admirável.

A HBO acerta em cheio na escolha do elenco, pois preenche os papéis principais com rostos quase anônimos - porém muito competentes - o que dá mais realismo à série. Os destaques são Vinicius Zinn (Nicholas) e a bela Luka Omoto (Dani). No elenco de apoio aparecem figuras mais conhecidas como Regina Braga e Walderez de Barros.



As histórias paralelas traçadas para os coadjuvantes, mantêm a trama interessantes e não focada apenas em um personagem. Além disso, há diversas participações especiais de peso como Eduardo Moscovis, Bárbara Paz e Jonas Bloch.

Os roteiros são em geral bem construídos, têm histórias interessantes e - sem duvida - facilitam o desempenho dos atores. Algo que sempre desperta a atenção são as constantes cenas de sexo. “Alice não é uma série, mas pornô de qualidade HBO”, como alguém (que por acaso não me lembro) comentou em tom de piada. Não há muito que dizer, pois as cenas são justificadas pelo contexto da série - afinal, os personagens são jovens. Sempre vão aparecer, apenas são mostradas de uma perspectiva diferente.

Outro ponto positivo é a abordagem de temáticas polêmicas de forma normal e sem muitos conflitos como o relacionamento amoroso da tia de Alice, Luli, e Dora - duas mulheres pouco acima da meia idade.

Mas, como nem tudo é perfeito, a série também tem problemas. O mais importante deles é a ineficiência em manter o interesse na história após o quarto episódio. É preciso certo esforço para continuar acompanhando Alice, pois os episódios demoram a engrenar - fato que segue até o sétimo capítulo.

A série cai em alguns clichês ultrapassados e até ofensivos como em Queda Livre, em que Irislene almoça com um sergipano que encontrou por meio de um site de relacionamentos. Durante o encontro o homem se comporta de maneira desrespeitosa, machista e se alimenta como um “cachorro”. Outro exemplo é o da cantora brasileira que vive na Europa por tanto tempo que ao retornar ao país acha tudo muito “pobre”, sujo, desprezível, cheio de pessoas incultas e inferiores.

A temática - Antes do lançamento de Alice, a HBO tinha altas expectativas em relação ao desempenho da série e já planejava dar longa vida a produção - embora ainda não tenha confirmado uma segunda temporada. Agora, antes do último episódio, pode-se dizer que Alice atingiu seus objetivos.

A série trouxe uma trama diversificada e com identificação - principalmente entre os jovens - fugindo das tragédias urbanas, sertões, favelas, sem deixar de ser real e totalmente possível. Afinal, quem disse que produção brasileira de respeito deve ter sofrimento e miséria?

Nesse aspecto, a série traz um ambiente novo e por isso conquista. As tramas são muito bem amarradas e plausíveis. Desde a chegada de Alice à São Paulo, tudo é construído para ser o mais real possível. Fica claro desde o princípio que a história vai se desenrolar na metrópole paulista e que a protagonista não voltará tão cedo à Palmas.

Os personagens são bem construídos e em meio a conflitos e situações cotidianas, os perfis se moldam. As histórias têm sempre a música como pano de fundo - há muitas festas e temas marcantes para os personagens. Enfim, a trilha caprichada ajuda o espectador a “sentir” o momento.

As tramas se desenrolam e vemos Alice crescendo na busca por seus sonhos, suas raízes. Ela amadurece e muda tanto que nem mesmo sua família a reconhece mais. É neste ponto que a protagonista começa a deixar de ser simpática.



A série tenta mostra como é fácil se perder em meio à sonhos e enveredar em caminhos obscuros e solitários. Na gana incessante de conquistar tudo - quando e sempre que quiser - Alice se perde. Cria conflitos e se afasta dos amigos, envereda nas drogas para ganhar a confiança daqueles que podem a ajudar nas escadas da sociedade.

“Os homens nascem bons, mas a sociedade os corrompe”, disse Rousseau há muitos séculos. Aqui o ditado encaixa perfeitamente. Alice parece enxergar apenas a si mesma e começa a passar por cima de todos, inclusive de seus amigos - principalmente Nicholas.

Esta figura de Alice não agrada, não cai bem. Claro que ninguém é sempre bom. Mas, também não se torna mau de uma hora para outra. Fica evidente na série que a personagem enfrenta algumas situações que a empurram para uma estrada não muito convencional, mas mesmo assim há um exagero.

No penúltimo episódio, em Queda Livre, vemos uma Alice completamente diferente da doce e simples jovem apresentada no primeiro episódio. A intenção de chocar as pessoas e mostrar onde a perda de foco pode levar funciona - principalmente devido à excelente atuação de Andréia Horta - mas acaba mesmo dando a impressão de que foi construída apenas para gerar o clímax de fechamento da temporada.

Neste episódio, ela se depara com duas situações limite. Alice vira mercadoria se oferecendo aos empresários italianos junto com a Wonderland. Acaba bêbada e drogada em um quarto de hotel com os “clientes” e duas stripers.

Ela consegue escapar e leva as duas mulheres para sua casa, onde se droga ainda mais junto com Marcela e Téo. Esquece do aniversário de Célia, mas é lembrada pela irmã. Chega ao ringue de patinação ainda sob efeito de alucinógenos e acaba se envolvendo uma situação que “destrói” a festa. Alice chega ao limite de sua estrada solitária. A garota decide ajudar e reúne os amigos de Alice no apartamento.

Alice está na banheira e Célia ajuda com o banho. É este o retrato final da personagem no episódio. Perdida, drogada, mas ainda com os amigos que afastou ao seu lado. Ela percebe finalmente que para ter o que deseja não é preciso abrir mão do que já conquistou.

A primeira temporada termina com a À Flor da Pele, em que personagem segue por outra direção para se encontrar. Porque se todos trilham caminhos tortos e fazemos escolhas erradas, então todos merecemos uma segunda chance - talvez valha à pena mudar. Em busca da simpatia de perdida! Espero ansioso a segunda temporada, até para ver que novos caminhos irei seguir com Alice!

Nenhum comentário: