“Vale a pena ser honesto no Brasil de hoje?” Esse foi o ponto de partida para a criação da sinopse de Vale Tudo, novela escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères em 1988.
O final da década de 80 foi um período histórico complicado para o país, que vivia uma grande crise econômica e moral. A lei de Gérson imperava e todos queriam, de uma forma ou de outra, “se dar bem”.
Falar sobre política e corrupção nunca foi novidade na teledramaturgia nacional. Dias Gomes usava as suas metáforas, aliadas ao realismo fantástico, para fazer isso em obras como O Bem-Amado (1973), Saramandaia (1976) e Roque Santeiro (1985/1986). Lauro César Muniz não ficou atrás e fez duas novelas emblemáticas, Escalada (1975) e Roda de Fogo (1986/1987) falando respectivamente sobre a história recente do Brasil e sobre os crimes dos colarinhos brancos. Apesar da crítica, sempre houve uma “distância segura” entre o público e a obra, mas Vale Tudo chegou para acabar com isso.
Acostumados com os desmandos e falcatruas dos vilões e vilãs das novelas e de condená-los por seus atos, os telespectadores se surpreenderam ao ver personagens tidos como “bonzinhos”, tendo pequenos atos de desonestidade durante a trama de Vale Tudo. Um exemplo disso é a cena em que Aldeíde (Lília Cabral) rouba rolos de papel higiênico da empresa em que trabalha, para levar pra casa. Se os vilões Marco Aurélio (Reginaldo Faria) e Odete (Beatriz Segall) eram os responsáveis pelas grandes maldades, por outro lado, o taxista que dava voltas para cobrar a mais, ou a dúzia de salgadinhos que deveria vir com treze, denunciava o tipo de mentalidade que se instalara no Brasil daquela época. Não eram vilões agindo de forma errada, mas pessoas comuns como eu e você. Essa era a grande denúncia de Vale Tudo.
A identificação com o “jeitinho brasileiro” era tão grande que, acredito que pela primeira vez na história da teledramaturgia, o público torceu para que a vilã se desse bem. Apesar de todas as maldades que fez com a mãe, Maria de Fátima (Glória Pires) teve a simpatia dos telespectadores, que vibravam a cada armação sua que dava certo, atitude sintomática das denúncias que o texto da novela fazia. Vale Tudo foi uma novela moderna e à frente do seu tempo e talvez por isso, seja lembrada até hoje.
Passados vinte e três anos, e em reprise pelo Canal Viva, Vale Tudo mostra agora o que mostrou em 1988 e, surpreendentemente, é a novela mais atual que está no ar. Enquanto as tramas produzidas agora se apegam aos clichês baratos, mais uma vez a novela de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres chama atenção pelo frescor do seu tema, principalmente na forma como ele é abordado. Vale Tudo não faz merchandasing social, ele insere a denúncia nos pequenos fatos do cotidiano das personagens. Nada nos diálogos é gratuito ou forçado. Realismo levado à melhor das potências.
Vale Tudo é moderna e surpreendente, e isso mostra que a essência do país não mudou. Se vemos um texto escrito há vinte e três anos e ainda assim conseguimos nos identificar, isso significa que as denúncias que ele faz ainda são necessárias e pertinentes. O taxista continua querendo cobrar a mais, as Aldeídes continuam pegando os rolos de papel higiênico e alguns donos de supermercados tem a coragem de cobrar sessenta reais por um galão de água (que custaria seis) de desabrigados pelas tempestades. A lei de Gérson ainda impera. O “jeitinho brasileiro” ainda está por aí.
A pergunta feita em 1988 ainda ecoa em pleno 2011. Vale a pena ser honesto no Brasil de hoje?
Por Walter de Azevedo
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