Entrando em sua reta final, Amores Roubados abre mão do romance e se assume como um ótimo e eletrizante thriller.
E eis que o que eu não imaginava aconteceu: “Amores Roubados”
conseguiu surpreender e, mesmo em um capítulo que teoricamente não
aconteceria muita coisa, continuou com sua trajetória ascendente,
deixando-nos mais uma vez aflitos com todos os acontecimentos que
presenciamos após a morte de Leandro.
O mais fantástico na minissérie, a esta altura do campeonato, é como
ela vestiu a camisa e se assumiu por completo como um thriller, mantendo
a atenção e a expectativa do público a cada instante. Após a morte de
Leandro era de se esperar uma pisada no freio, um episódio mais calmo e
mais focado no luto daqueles que o amavam. Mas não foi o que aconteceu
neste sétimo capítulo. Toda a tensão que a série desenvolveu até aqui,
toda a história do triângulo amoroso, todo o mistério foi mantido e
apenas redirecionado a um novo núcleo, que tem Jaime, João e Fortunato
como destaque.
É aquela velha história do castelo de cartas novamente. Assim como
expliquei que Leandro, ao brincar com mulheres casadas com poderosos
homens de Sertão, estava construindo um castelo de cartas que hora ou
outra iria desmoronar – e desmoronou – quem vê seu próprio castelo
desmoronar agora é Jaime, afinal, não existe crime perfeito e foi isso
que este sétimo capítulo nos mostrou.
Por mais que Jaime tenha articulado um plano meticuloso e bem
inteligente, plantando a ideia de que Leandro roubou a vinícola e fugiu e
usando Oscar para se passar pelo rapaz – de forma que o corpo parecesse
o do próprio Oscar, que aparentemente teria dirigido bêbado e causado o
acidente – é exatamente nos detalhes não pensados que se encontra a
ruína de Jaime. É exatamente pelas coisas que ele não pensou – e tantas
outras que ele não previu – que, cedo ou tarde, a revelação de sua
participação na morte do sommelier virá à tona.
A começar pela própria arrogância que é característica da
personalidade de um homem da posição social de Jaime. Óbvio que na
cabeça dele Leandro era um pobre coitado, sem ninguém que se importasse
com ele, sem ninguém que o conhecesse e notasse as inconsistências dessa
história, de forma a querer tirá-la a limpo. Aqui está o primeiro
grande erro de Jaime. Fortunato, Carolina, Antônia e até mesmo Celeste
terão motivos o suficiente para buscar respostas sobre o sumiço do
rapaz.
Aliás, já neste capítulo Fortunato se torna a grande pedra no sapato
de Jaime e, sobretudo, de João. O rapaz, que havia recebido um
telefonema do amigo pouco antes de seu assassinato foi atrás das
respostas necessárias e rapidamente fez os links cabíveis para perceber
que se tratava de uma queima de arquivo. Ele, como confidente de
Leandro, sabe que Jaime tinha motivos, estava no local do crime e tinha
condições de executar o sommelier. Neste momento, vale destacar o
brilhante trabalho de Jesuíta Barbosa que já vinha se destacando com o
pouco que o roteiro lhe reservava mas aqui teve seu momento de glória. O
jovem ator – que já conta com um ótimo currículo no cinema – soube
mostrar bem o luto e a dor de Fortunato pela perda do amigo e,
sobretudo, soube mostrar com precisão a dúvida que se encontrava entre
buscar vingança pelo Leandro – o que o colocaria em risco de vida – ou
calar-se.
Mas Fortunato criou a coragem necessária e, em seu melhor momento no
episódio, desafiou perante todos a versão da morte de Oscar que era dada
como certa até então. Aqui entra outra observação sobre aqueles
detalhes que Jaime desconhecia: Oscar não sabia dirigir. Se Fortunato
sabe disso, certamente outras pessoas em Sertão também sabem. E cito
outras pessoas porque a situação da Fortunato não tornou-se nada boa
após gritar para todos a verdade, já que ele logo caiu no radar de João e
tem grandes chances de ser a próxima vítima de Jaime/João.
Não quero que Fortunato morra, acho que o personagem tem muito para
mostrar nessa nova fase investigativa de “Amores”, mas é o mais lógico
que o roteiro nos apresenta. Além do mais, vai corroborar a ideia de que
não há crime perfeito. Certamente, para evitar ser pego, Jaime ainda
vai precisar matar muitas outras pessoas para, em vão, tentar esconder
seus rastros. A ficção já nos mostrou inúmeras vezes que cometer um
assassinato é como derrubar uma peça de dominó que começará uma reação
em cadeia.
Outro fator que Jaime não poderia prever é o bilhete deixado por
Oscar para Isabel. O garoto continua rondando a casa dos Favais e se
desencontrando de Isabel simplesmente para nos deixar aflitos. É um
recurso conhecido – e competente – da dramaturgia, em geral. Certamente
Isabel colocará as mãos naquele bilhete oportuno.
E isso sem falar em Carolina. Ela realmente acredita, neste primeiro
momento, na fuga do filho e, por isso, está mais focada na chantagem à
Celeste. Mas, mesmo tendo uma índole terrível, Carolina sempre se
mostrou uma mãe preocupada com o filho. Quando perceber que há algo
errado nesta “fuga” de Leandro, ela não vai parar até descobrir tudo. E o
amor é um sentimento forte, mas o amor de mãe simplesmente não há
limites.
Por fim temos Antônia. Grávida de Leandro, ela simplesmente se nega a
acreditar que ele a abandonaria e, mesmo que pareça ceder a esta
história pouco a pouco, ainda tem aquela voz na cabeça dela que grita
que há algo errado. A sequência que mesclou sua investigação com a de
Fortunato foi excelente e serviu para mostrar exatamente que nada vai
fazer aquela mulher esquecer o homem que ama tão facilmente. Ou seja,
Jaime tem uma inimiga dentro de sua própria casa.
Por fim temos Isabel. Engraçado notar que ela foi a única personagem
de luto durante o capítulo, afinal, além de Fortunato – que só descobriu
a morte do amigo mais adiante – ninguém mais vê Leandro como morto. Mas
ela vê. Para ela, o que eles viveram foi tão intenso que a suposta
traição de Leandro significa o mesmo que sua morte. Por isso, o que
presenciamos de Isabel durante todo o episódio foi puro e genuíno luto.
Aquela mulher, que nunca esteve bem, diga-se de passagem, se desmontou
por completo, perdeu seu rumo. E aqui vale destacar a poesia da cena em
que ela dirige que traduz para o audiovisual a perda de rumo, com o
carro ziguezagueando na pista enquanto lembranças lhe vinham à memória.
Assumindo-se como um thriller e deixando seu público sem fôlego,
“Amores Roubados” continua marcando sua trajetória de maneira positiva
na televisão brasileira, mostrando que mesmo em seu sétimo capítulo
consegue prender seu público da mesma maneira que fazia quando estreou. A
audiência sempre crescente da série demonstra isso.
::: Alguns Devaneios Finais:
- A crítica em si quase não faz citações aos atores – com exceção de
Jesuíta Barbosa – simplesmente porque, desde a estreia, este foi o
capítulo mais equilibrado da minissérie, com todos os atores principais
tendo praticamente o mesmo destaque e ninguém roubando a cena. Desta
forma, meus parabéns à Ísis Valverde, Patrícia Pillar, Murilo Benício e
Irandhir Santos que estiveram irretocáveis no episódio.
- O clima de thriller, além da abertura e das chamadas, também
atingiu a trilha sonora que adotou tons mais sombrios e mais sérios
neste capítulo. “Angels”, por exemplo, só tocou rapidamente num raro
momento mais leve, quando Antônia revia vídeos de Leandro.
- Alguns problemas de ordem lógica surgiram para mim no episódio, mas
não a ponto de parecerem furos do roteiro. O primeiro é sobre a
aceitação da palavra de Jaime. Acho que um teste de DNA na vítima era
obrigatório para certificar sua morte, não? O segundo é sobre o fato de
ter ocorrido um tiroteio antes da queda do carro, o que simplesmente
inviabiliza a história de Jaime e João, de que Oscar teria dirigido
bêbado e causado o acidente, afinal, deve haver várias marcas de tiro e
até capsulas das balas dentro do veículo.
- Esses problemas, no entanto, não se tornaram tão grandes, pois
podem ser abordados nos próximos capítulos – e eu estou apenas me
apressando – ou podem ter uma justificativa de ordem prática plausível: o
velho coronelismo brasileiro, que encerraria uma investigação com base
na palavra de um figurão como Jaime Favais.
- Sobre a audiência, “Amores Roubados” novamente surpreendeu a Globo e
quebrou seus próprios recordes no capítulo de ontem. A minissérie
atingiu 32 pontos em São Paulo (com picos de 35) e um share (índice de
televisores sintonizados na Globo) de 59%, superior ao de “Amor a Vida”
no mesmo dia. No Rio os números foram ainda mais impressionantes: 34
pontos (picos de 37) e um share assustador de 64%.
- A audiência surpreendente da minissérie quebrou por completo o
planejamento de começo de ano da Globo. Dessa forma, há comentários que
para evitar quedas com a estreia do BBB, a Globo reajustou toda sua
grade (“roubando” alguns minutos de alguns programas no decorrer do dia)
de forma a garantir que a minissérie entre no ar antes das 23h. Mesmo
que as fontes sobre essa informação não sejam das mais famosas, isso se
verificou hoje, tendo até mesmo o BBB tido uma estreia bem corrida.
Veremos amanhã se isto se confirma.
- A imagem que abre essa review faz parte de uma das cenas mais
lindas do capítulo – e mais memoráveis de Ísis na série – quando ela
grita por Leandro e, em desespero, assume sua gravidez para a amiga.
- Por outro lado, achei completamente irreal a cena de Isabel
transando com um completo desconhecido que atropelou na rua. Entendi seu
propósito de mostrar como a personagem estava perdida. Mas foi irreal
demais. Nada crível.
- Faltando três capítulos para o encerramento da minissérie,
começarei amanhã a tecer alguns comentários sobre a atuação, em geral,
de alguns atores aqui nestes devaneios finais. Começarei com Cauã e
Ísis. A ideia era começar hoje mas, com o tamanho desta review, optei
por não deixa-la maior ainda.
- Adoro a relação que crio com vocês através dessas reviews, nos
comentários. Mas estou dando uma pausa nela a partir de hoje e evitarei
ler os comentários. Apesar de 99% de eles serem úteis e inteligentes,
infelizmente tenho me deparado com gente idiota (me perdoem a grosseria)
que dá spoilers sobre a trama sem ao menos avisá-los. Odeio spoilers,
perco o tesão de acompanhar algo quando me “estragam” o final e acho
isso atitude de gente mesquinha, sem o mínimo de bom-senso… Aliás, sem o
mínimo de noção. Por isso, vou deixar que o Michel faça a moderação dos
comentários e abro àqueles que realmente querem comentar a série comigo
o meu Twitter e Facebook. Adorarei respondê-los lá.
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