Uma confusão que é freqüente diz respeito a audiência e qualidade. Na maior parte das vezes, um grande sucesso de público é decorrência mesmo da qualidade do que vai ao ar. Mas nem sempre é assim. Para citar um exemplo, basta lembrar o caso do “Programa do Ratinho”, que, na década de 90, chegava a dar 28 pontos. Eram índices altíssimos para uma emissora como o SBT, mas ninguém falaria em qualidade.
Digo isso, pensando em “Os Mutantes”, de Tiago Santiago, hoje no ar na Record.
A novela, inquestionavelmente, conseguiu duas proezas para uma rede com o perfil da Record. Atingiu 24 pontos na sua estréia, e, até aqui, mantém uma média pouco abaixo dos 20 pontos. E, segunda proeza, justamente no horário da novela das 21h da Globo, “A favorita”, que, por conta disso, viu sua média cair para em torno dos 35 pontos. O público que a novela tem atraído é o C,D e E, além do infantil.
Não fui eu a primeira crítica a chamar o enredo da Record de trash. Outros fizeram isso antes, na “Folha de S. Paulo” e na “Veja”. Mas não posso discordar desse rótulo. Seja pelo enredo em si, seja pelos efeitos especiais mambembes, a novela não pode mesmo ser classificada de outra maneira. A isso, soma-se algo de que só me dei conta depois de ler a entrevista do ator André de Biase ao “Estado de S. Paulo” de sábado, em que ele disse: “Os atores aprendem a atuar naquilo que os americanos fazem bem (em seriados). É diferente da dramaturgia tradicional. Você tem de falar coisas absurdas de um jeito natural.”
Rafaela Mandelli, que faz a personagem Regina, ensaiava uma cena em que deveria dissertar sobre as leis da física, quando foi surpreendida pela repórter Cristina Fibe, da “Folha”, dizendo: “Essa fala é f...”. Devia ser mesmo. O problema é que não bastará os atores brasileiros desenvolverem esse “naturalismo de ficção científica”: os diálogos terão que se aproximar da qualidade dos seriados americanos, um desafio e tanto mesmo para alguém criativo como Tiago, já que nossos folhetins são diários, e as séries, semanais. A Record, como no passado o SBT, pode ter resultados imediatos apostando no trash. Mas, no longo prazo, o que sempre dá certo é a qualidade: uma linha que a Record pareceu querer seguir em novelas como a adaptação do próprio Tiago para “A escrava Isaura”, “Essas mulheres”, de Marcílio Moraes e Rosane Lima, e “Cidadão brasileiro”, de Lauro César Muniz, folhetins que, se não fizeram barulho, tiveram uma audiência digna de nota.
A “Folha de S. Paulo” de domingo, corretamente, ressaltou o sucesso de público de “Os Mutantes”, mas dizendo no subtítulo: “Novela ‘Os Mutantes’ da Record conquista audiência com criaturas superpoderosas e efeitos trash”. A “Veja” desta semana vai na mesma linha, dando a um quadro ilustrativo o título de “efeitos com defeitos”. E “O Estado de S. Paulo” de sábado destacou os números de audiência, mas afirmou, também no subtítulo, que a novela não tinha medo do ridículo.
O papel da crítica não é aplaudir números, embora registrá-los seja uma obrigação. Analisar a produção, com seus defeitos e qualidades, é o seu papel principal. Fugir disso seria desonestidade intelectual.
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