domingo, 15 de junho de 2008

Os Mutantes: Conquista audiência com efeitos trash

São 70 atores, metade deles mutantes cujos poderes vão de se transformar em aranha-caranguejeira a voar ou desaparecer, passando por habilidades como a superaudição, a telepatia ou a superagilidade.

A novela "Os Mutantes", seqüência de "Caminhos do Coração" --na qual o núcleo de "genes modificados" começou--, estreou na Record no último dia 3, em novo horário: mudou das 22h para as 20h40, batendo de frente com a principal novela global, "A Favorita".

E teve, no primeiro capítulo, média de 24 pontos na Grande SP, segundo o Ibope, índice excepcional para o horário --a Globo fica em torno de 35. Desde então, vem se mantendo com média de 19, e a esperança do autor, Tiago Santiago, é voltar a passar dos 20 e até liderar, "nem que seja por minutos".

Para isso, diz se inspirar em Spielberg ("ele adora uma perseguição"), em Hitchcock e sua "construção dramática do suspense", e no italiano Vittorio De Sica, "pelas emoções".

Na trama, mutantes da "liga do mal" querem acabar com os humanos e dominar o mundo; os da "liga do bem" tentam curar e salvar os homens. O terceiro núcleo é o Departamento de Pesquisa e Controle de Mutantes, espécie de polícia formada por humanos e em guerra constante contra os vilões.

A Folha visitou as gravações da novela na última quarta-feira, no Recnov (complexo de estúdios da Record, no Rio), onde dois mutantes malvados, Metamorfo (Sacha Bali) e Meduso (Allan Lima), simulavam seus poderes contra o "núcleo de comédia", composto por humanos da "mansão do Morumbi" (todos atores ex-globais).

No ensaio, os atores dirigem uns aos outros, improvisam, editam o texto. "Essa fala é f...", reclama a atriz Rafaela Mandelli, a humana Regina, enquanto lê, em voz alta, uma dissertação sobre "as leis da física" para provar aos mutantes que "o mal se voltará" contra eles.

"Chega de conversa fiada! A guerra já começou", diz Meduso, cujo olhar mata, enquanto encara a arma de Patrycia Travassos (ou Irma, humana perua), esta aos gritos de "vou detonar seus olhos mortais". Mas, no estúdio, não se vêem raios: ele mantém os olhos parados, e os outros fingem pavor.

Travassos, cuja arma seria atingida pelos raios na pós-produção, indaga se deve jogar o objeto no chão. "Não!", responde a voz do diretor, de outra sala. "É de madrepérola!". E almofadas são providenciadas.

Uma das mais experientes, Travassos repete várias vezes a seqüência. No intervalo, reclama que "a cena é muito chata". "E olha que esses efeitos eles já sabem fazer! Eu nunca gravei com gente que pula, voa, diz que demora hoooooras. O lobisomem demora hoooooras!"

Mais vagarosa é a cena em que Metamorfo desaparece, depois de se transformar em Danilo, personagem de Cláudio Heinrich. Tudo precisa ser repetido com e sem as telas verdes que permitem a inserção posterior dos efeitos.

O diretor, com dois monitores, orienta o ator sobre a sincronia dos movimentos. "Pára tudo que o Metamorfo tá verde!", reclama um técnico, enquanto os outros atores dão palpites. "Ficou natural, cara, não ficou falso, não", diz Heinrich, em quem Metamorfo está prestes a "se transformar". "Bem cafa[jeste], hein?!", pede o diretor. "Gravando!"

Mais tarde, sem Metamorfo, seus colegas precisam contracenar com um mutante que não está lá. "Odeio quando ele fica invisível", grita Fernanda Nobre, a Lúcia. "Ai, passou a mão na minha bunda!", pula. A personagem, não a atriz.

"Sai, seu mutante asqueroso, sai!", retruca um saltitante Heinrich, cujo Danilo, diz o autor, "tem tendências homossexuais", mas é casado com Lúcia. Os exageros dos diálogos ("vôos poéticos", nas palavras do autor) e os efeitos abundantes (nem todos de qualidade hollywoodiana) fizeram com que a novela ganhasse o rótulo de trash --termo rechaçado por Tiago Santiago e pelo diretor-geral, Alexandre Avancini (22 anos de Globo).

"O público C, D e E vê a novela e não tem crítica nenhuma aos efeitos, ao estilo. O A vê a novela porque acha trash. É uma questão de referência também. A gente às vezes é cobrado para ter qualidade de cinema", diz Avancini.

"Eu poderia reduzir o número de efeitos e caprichar muito mais, mas o capítulo perde agilidade. Já pesamos isso tudo."

"Esse negócio de falar que a novela é trash é uma campanha da concorrência, um desrespeito a dezenas de artistas e técnicos. A novela não é malfeita", rebate Santiago.

Mas, na Record, técnicos e atores, também na campanha para ultrapassar a "concorrência", não hesitam em usar o termo. Taumaturgo Ferreira descreve suas cenas seguintes rindo, diz que a novela é "trash", mas um "trash cult".

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