segunda-feira, 10 de agosto de 2009
'Decamerão' tem muita elegância e pouca malícia
O talentoso diretor e roteirista Jorge Furtado - dos filmes O Homem que Copiava e Meu Tio Matou um Cara - conseguiu uma proeza. Criar um Decamerão com a libido do Sítio do Picapau Amarelo. Nem o rápido vislumbre da nudez de Deborah Secco ajudou a superar o ar pudico da minissérie da Globo, que careceu de naturalidade e uma interação mais sensual entre os personagens.
Adaptações sempre são complicadas. Especialmente aquelas de grandes obras. Caso do Decamerão, texto de Boccaccio elogiado há cerca de sete séculos. Primeiro por uma inevitável comparação com o original, na qual as novas versões costumam sair perdendo. Depois pelas modificações da linguagem original para a TV, o que requer grandes alterações.
A minissérie pode ter se ressentido disso; Mas é admirável como histórias que envolvem adultério, ciúme e cobiça tenham se tornado tão frias. E olhe que há algumas francamente pornográficas, como a do Monge Rústico e da jovem Alibeque ou do jardineiro no convento das mulheres. A decisão de fundir várias delas em um único episódio foi uma ótima solução. Mas versificar o texto pode ter ajudado a torná-lo mais refratário. O horário de exibição também pode ter pesado.
Fica claro, porém, a decisão do diretor em montar um Decamerão sem o exagero de certas produção que sempre escorregam para o caricato, na qual os personagens - especialmente os nordestinos - se movimentam feito calangos embriagados. Parece que aqui a forma ordena o conteúdo.
De qualquer maneira é importante reiterar que há em todo o livro um forte sentimento de gozo da vida, de busca pelo prazer e pela felicidade terrena que fazem de Boccaccio um precursor do Renascimento e do Humanismo. Seus personagens são figuras intensas, nem sempre humorísticos mas de grande emoção. Numa das novelas do livro - o Decamerão tem uma centena delas, o pai cruel envia para a filha o coração do amante dela em uma taça. Ela mistura veneno ao sangue, bebe e se mata.
A produção da minissérie conseguiu reencontrar na serra gaúcha o ambiente rural da Toscana, com suas casas de pedra, morros baixos e plantações. A interpretação dos atores é notável, em especial, Drica Moraes, em ótima performance. A fotografia, lindíssima, demonstra todo o poder de fogo da TV digital. O tubo de imagem já é peça de museu.
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