segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"Não é maldade, é tradição", diz Ana Lúcia Torre sobre a rigidez de Ester em "Caras & Bocas"


Já são mais de quatro décadas dedicadas ao ofício de atuar - e, ainda assim, Ana Lúcia Torre não poderia demonstrar mais afeto e respeito pela profissão em que ingressou quase que por acaso. Com a voz em tom baixo e a fala pontuada por pausas que parecem ajudá-la a melhor organizar o discurso, a Ester de "Caras & Bocas" se desmancha em palavras carinhosas quando o assunto são as artes dramáticas. "Eu tenho enorme prazer com o meu trabalho. Essa é a grande satisfação da minha vida: estar trabalhando", resume.

Atriz de formação estritamente teatral - foi uma das participantes originais do TUCA, Teatro da Universidade Católica da PUC-SP -, a paulistana mostra seu desvelo também quando o assunto é TV. "A televisão não dá um contato direto com o público. Por isso, você tem de ter atenção triplicada com tudo aquilo que faz. Nada pode ser jogado fora", observa. Na pele da ortodoxa mãe judia que ajuda a manter a família dentro da "moral e bons costumes" da religião, Ana conta que a preparação para o papel foi uma grata experiência. "Eles são muito divertidos! São pessoas fechadas na rua, mas as famílias são unidíssimas e muito amorosas", destaca.

Mesmo diante da empolgação da atriz com o mundo desvendado, não é difícil estranhar alguns dos comportamentos apresentados pelos hassídicos - membros de um movimento ortodoxo judaico. "A intenção é mostrar a tradição, os preceitos, as leis de uma das correntes que existem dentro do judaísmo e que é mais conservadora", defende. Para garantir a veracidade do que é mostrado, Ana e os outros atores do núcleo - Jaime Leibovitch e Sidney Sampaio, que interpretam respectivamente Rabino Mendel e Benjamin, filho dos dois - receberam um vasto material escrito e uma lista de filmes e livros de referência. "Além disso, tivemos uma aula com um Rabino hassídico, vindo de São Paulo. Ele explicou tudo, desde como se vestir até como rezar", enumera a atriz, que também foi à sinagoga comandada pelo mesmo sacerdote.

A reação do público comum, claro, tem sido de desaprovação ao comportamento severo de Ester - em especial quando o assunto é o relacionamento entre Benjamin e Tatiana, interpretada por Rachel Ripani. Segundo Ana, a maioria dos comentários vindos do público pede que a personagem pegue mais leve no trato com o casal. "Aí, eu explico que não é maldade: é tradição. É assim que está estabelecido. Para nós, é muito rígido e muito duro; mas dentro das casas, existe uma harmonia e uma delicadeza entre eles", justifica. Para comprovar o raciocínio, a atriz cita o comentário de uma amiga - polonesa e judia ortodoxa - de sua mãe: depois de uma cena exibida, a amiga ligou para elogiar. "Ela ligou para minha mãe, que se chama Antonieta, e disse 'Antoniette, está perfeito o núcleo judeu!'. Achei uma gracinha", conta, aos risos, reproduzindo o carregado sotaque da conhecida.

A dona de casa iídiche é mais uma personagem em uma galeria de tipos bastante diferentes. Ana Lúcia, por exemplo, caminhou pela comicidade na pele da pseudo-submissa Cleonice Mackenzie de "A Indomada" - e bancou a megera por conta das armações da pérfida Débora de "Alma Gêmea", que a Globo volta a exibir a partir do dia 24 de agosto. "Sempre fui 'escolhida'. Me convidavam para os papéis e eu ia", relembra. Mesmo argumentando que fez pouca TV - foram cerca de 20 novelas -, a atriz reconhece que vários de seus trabalhos no veículo acabaram ganhando destaque. "Sempre tive sorte de pegar personagens que não eram do núcleo central, mas eram interessantes. Mas não sei até que ponto esses papéis foram feitos para serem populares e até que ponto minha contribuição ajudou", diz.

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