Mas Santiago assume esperar que "Amor e revolução" dê o que falar. Diz não temer críticas e garante não contemporizar: promete mostrar que tortura "é um ato de vilania", sem deixar de lado a outra face da moeda, encenando ações controversas da luta armada. Em entrevista por telefone, o autor usa os termos "coincidência" e "sincronicidade" ao ser questionado sobre a estreia de "Amor e revolução" acontecer três meses depois da posse da presidente Dilma Rousseff, presa política torturada nos anos de chumbo, e num momento de debate pela aprovação no Congresso da Comissão da Verdade (para esclarecer casos de violação de direitos humanos durante a ditadura).
O GLOBO: Que reação você espera do público à "Amor e revolução"?
TIAGO SANTIAGO: Espero criar uma novela muito emocionante, que dê o que falar. Que as antigas gerações possam reviver com emoção o passado e lavar a alma sobre as feridas não cicatrizadas. E que as novas gerações possam conhecer um pouco mais desta história para que fique gravado em seus corações as lições da democracia e da liberdade.
Membros das Forças Armadas e da extrema direita se manifestaram ou mostraram preocupação com a novela?
SANTIAGO: Entraram em contato indiretamente, enviando e-mails para a produção da novela, que os procurou primeiro, convidando-os a dar depoimentos que serão apresentados ao final de cada capítulo, assim como tem feito o pessoal da chamada esquerda. Soube que recentemente houve uma reunião do grupo "Terrorismo nunca mais", na qual eles decidiram usar o espaço da novela para dar depoimentos. Então, imagino que teremos, sim, relatos de pessoas deste grupo, que chamam o golpe militar de contrarrevolução. Eles dizem que foi uma revolução para conter uma revolução de esquerda que estava acontecendo no Brasil. Por enquanto, depois de colher mais de 70 depoimentos de vítimas da repressão, familiares e pessoas que combateram a ditadura, conseguimos apenas um do outro lado, o de Jarbas Passarinho (militar reformado que foi ministro do Trabalho e da Educação nos governos Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, um dos signatários do Ato Institucional número 5). Nossa intenção sempre foi apresentar os dois discursos.
Mas quem enviou esses e-mails e o que diziam?
SANTIAGO: O e-mail que a produção me encaminhou foi enviado por Maria Joseíta Silva, mulher do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra (ex-chefe do DOI-Codi entre 1970 e 1974, chegou a ser processado, acusado de comandar sessões de tortura em presos políticos). Ela fez uma coletânea de mensagens de pessoas manifestando preocupação. De modo geral, escreveram que temiam ser retratados de forma negativa, ver as Forças Armadas e o movimento que chamam de contrarrevolução denegridos. Minha resposta, enviada a Maria Joseíta por meio da produção, foi de que não estou denegrindo as Forças Armadas. Meu herói é um militar. E há vários outros personagens que são militares e democratas. As Forças Armadas são mostradas como algo muito plural, com militares de centro, esquerda e direita. Mas sei que novela tem uma lógica própria. Se eu mostro um personagem sendo torturado porque está lutando por justiça social, o torturador será visto como vilão e o torturado, como mocinho, até pela covardia da situação. Não dá para escapar desta dinâmica e tampouco há justificativa para a tortura, é um ato de vilania. Há personagens de boa índole na polícia, nas Forças Armadas e também guerrilheiros de caráter polêmico. E vamos mostrar atos controversos da esquerda revolucionária, como sequestros, expropriações e mortes.
A novela pode influenciar na votação do Congresso para a criação da Comissão da Verdade?
SANTIAGO: Há 15 anos penso em fazer esta novela. É uma coincidência ter conseguido realizá-la agora. Quando propus o tema ao SBT, não tinha a menor ideia de que haveria um projeto de lei para a criação de uma Comissão da Verdade. Os depoimentos de pessoas que foram torturadas, que têm familiares desaparecidos, vão causar comoção. São relatos muito fortes. Mas não sei se isso vai ajudar na aprovação do projeto. O governo tem maioria no Legislativo, então espero que a comissão seja aprovada, independentemente da novela.
Você teme ser criticado por banalizar ou espetacularizar a violência exibindo de forma realista cenas de tortura?
SANTIAGO: Tenho certeza de que vou ser muito criticado por todos os lados. Estou acostumado. Então, por favor, critiquem à vontade. Quis fazer uma novela que se passa nesta época justamente porque é possível fazer algo muito emocionante. As críticas virão com certeza. Estou esperando por elas.
A TV aberta já tratou da ditadura militar na minissérie "Anos rebeldes". O cinema também abordou o tema em filmes como "O que é isso, companheiro?", "Cabra cega", "Batismo de sangue", o "Ano em que meus pais saíram de férias", entre outros. O assunto está esgotado?
SANTIAGO: Dá para fazer dezenas de novelas, filmes e peças que se passam nesta época. É um período muito rico de acontecimentos. Há muito mais histórias para me inspirar do que a possibilidade de contar todas. A novela tem 180 capítulos. Se der certo, estou disposto a aumentá-la, mas acredito que o ideal seja chegar a, no máximo, 250. Pretendo tratar da história de 1964 até a Guerrilha do Araguaia, mostrando diversos segmentos da sociedade: imprensa, artistas de teatro, guerrilheiros, estudantes, policiais, militares, advogados, padres. São mais de 60 personagens. É difícil comparar um filme de uma hora e meia ou uma minissérie de 20 capítulos com uma novela. E "Amor e revolução" é a primeira que vai tratar deste assunto em todos os seus capítulos.
Qual sua posição política?
SANTIAGO: Sou um democrata, um pouco socialista, no sentido de ser a favor de socializar as oportunidades. Tenho vontade de viver num mundo com mais justiça social, ainda mais em um país onde existe tanta disparidade. Um social democrata, digamos assim. Acredito, como sistema de governo, em uma democracia parlamentar, com independência dos três poderes. Me vejo como centro-esquerda.
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