Ora crucificado, ora enjaulado. Definitivamente, ser juiz de futebol não é fácil.
Spoilers Abaixo:
A metáfora que abre o décimo segundo episódio de (fdp)
traduz bem a grande pressão que sofrem os árbitros de futebol, sempre
assombrados pelo temor de serem crucificados – seja pelos espectadores
dos jogos, seja pelo chefe, seja pelos times, seja pela família. Por sua
vez, a season finale iniciou-se trazendo à tona a importância da ética profissional, que impede o juiz de enjaular-se em interesses terceiros. Pressão e ética,
temas recorrentes desde o início da série, voltaram muito bem dosados
nestes dois últimos episódios, fechando de maneira deveras competente
esta primeira temporada.
Na verdade, os dois episódios podem ser
tratados como apenas um, vez que o segundo continua imediatamente de
onde parou o primeiro. Se em “Mala Branca e Mala Preta” não vimos a já
tradicional “partida da semana”, “Afinal, a Final” concentrou-se
exclusivamente nisso. Talvez tudo pudesse ter sido apresentado em apenas
um episódio, poupando os espectadores de alguns momentos claramente
inseridos para completar “encher linguiça” – mas daqui a pouco falo
disso. Antes, os pontos bons.
Finalmente apareceu o russo misterioso
dos episódios anteriores – e veio trazendo presentinhos para todo mundo.
Camponero, aparentemente, já está acostumado com a situação,
aconselhando Juarez a encarar aquilo com muita naturalidade. Aí, é
interessante perceber como é elástica a linha entre corrupção e integridade:
se inicialmente Juarez via os presentinhos com inquietação, com pouco
tempo já aceitava aquilo com certa naturalidade – não vi Juarez
reclamando com ninguém quando Manu e Vinny chegaram na Argentina. Era
visível a inquietação do protagonista durante a partida, corroído pela
dúvida em ser um bom profissional ou em garantir o futuro do filho –
ponto para Eucir de Souza, que claramente evoluiu muito desde o primeiro
episódio (lembremos que a temporada demorou quatro anos para ser
gravada).
Ponto também para o roteiro, que não
hesitou em assentar Carvalhosa como o bandeirinha que cedeu às pressões
de Zharkov, quando a resposta mais óbvia seria Lúcio (este tardava ao
marcar os impedimentos – mas não falhava). O texto também foi muito
competente ao colocar uma pulga atrás na orelha do espectador, que
naturalmente questionou a integridade de Juarez. Como já levantei, a
inquietação do protagonista foi muito bem retratada, tanto que, durante a
partida, Juarez teve momentos de fraqueza (ao não punir um “carrinho”
com o cartão que merecia para favorecer o Palermo) e de fortaleza (ao
não utilizar o apito dourado que ganhara e ao berrar para que Lúcio “não
fudesse tudo”, por exemplo).
Importante notar que atuação e texto só
funcionaram tão bem por conta do grande esmero que a produção teve com a
partida de futebol: ponto de críticas minhas em reviews
anteriores, talvez pela primeira vez a peleja em si fora convincente. O
estádio realmente parecia lotado para aquele jogo, a reação da torcida
não estava plástica e inverossímil, os jogadores realmente pareciam
jogar futebol. Até a cena aérea feita em computação gráfica teve
dignidade. Criou-se, assim, um clima de tensão bem efetivo em relação ao
resultado da partida e à dúvida se Juarez cederia ou não à pressão do
dinheiro.
Confesso que, na hora, não consegui me
decidir se queria que o Palermo ou se o Asunción ganhasse. Me
surpreenderia muito se o time uruguaio tivesse levado a melhor e tal
fato abriria inúmeras possibilidades para uma segunda temporada, vez que
Juarez teria que recomeçar do zero, sem o apoio de Camponero.
Entretanto, os escritores optaram pela decisão aparentemente mais fácil,
com o Palermo ganhando a partida. Mas, para a minha felicidade, eles já
pensaram alto para a próxima temporada: Juarez já tem indicação para a
Copa do Mundo, estando um passo mais próximo de realizar seu sonho.
Ainda, a relação com Manu sofreu um novo baque, que também ficou para um
próximo ano. É bom ver que a produção não se acovardou em fazer um
final fechadinho, apostando na qualidade de seu material e deixando
pontas soltas para serem futuramente resolvidas.
Ainda tenho que elogiar o desfecho em si
do jogo: quem diria que a final da Libertadores seria decidida por um
gol do juiz! Pode isso, Arnaldo? Se lá no começo da temporada, Juarez
fez um gol de pênalti em um sonho, dessa vez, para a perplexidade de
todo mundo, foi tudo muito real, mesmo que involuntário. O Palermo
ganhou com a ajuda de Juarez, sem Juarez ter se entregado completamente
ao “lado negro da força”. Foi “sem-querer-querendo”, mas foi (quero ver
ele conseguir explicar isso para Manu).
Contudo, como nem tudo são flores, tenho
algumas ressalvas. Dona Rosali e Guzman apareceram muito pouco nesses
derradeiros episódios e passaram longe de seu potencial. Sem muito
destaque, sem muitas piadas e sem muita graça, parece que estavam ali
como forma de auto-homenagem à série, que não queria esquecer-se de seus
coadjuvantes. Do mesmo modo, Vitória e Serjão também estavam lá apenas
para cumprir tabela – até Rui apareceu. E o que dizer do súbito romance
entre Gilda e Paiva, os comentaristas mais insossos do mundo; e de Neri
Nelson, seus brinquedinhos e a prostituta? Em um último episódio, só um
motivo justifica tanto destaque à histórias tão desimportantes: tempo
sobrando. No fim das contas, ficou a impressão de que 30 minutos apenas
para a partida de futebol era muito – tiveram que colocar cenas de
personagens com quem ninguém se importa para completar.
E o grande problema disso é a quebra de ritmo que pôde-se perceber, principalmente na finale.
Se o objetivo era alimentar uma tensão sobre aquela partida decisiva,
tudo ia por água abaixo quando aparecia Neri Nelson, Gilda e Paiva, que
supostamente estariam ali como um alívio cômico – mas o tiro saiu pela
culatra. Também na tentativa de alimentar a tensão do espectador, a
direção de arte do episódio optou por uma trilha sonora sufocante, que
não parava por um momento sequer, chegando a anular o som ambiente da
partida de futebol. No final, ficou a impressão de que “tentaram demais”
e a trilha sonora ficou meio over – em alguns momentos eu só
conseguia prestar atenção na música de ação, de tão alta que estava, ao
invés das faltas que os jogadores cometiam. Assim, em minha opinião,
teria apreciado melhor os acontecimentos dos dois últimos episódios se
condensados em apenas um, sem muita enrolação e com os habituais oito a
nove minutos de partida de futebol. Não obstante, entendo que foi uma
escolha de roteiro e provavelmente de contrato, que previa os treze
episódios.
Obviamente, tais falhas não tiram o
mérito dos episódios, que foram muito eficientes em construir uma grande
expectativa naquele que os assistiam. E, como já disse, o final
apresentado foi bastante satisfatório – e surpreendente em alguns
aspectos. Ainda, tudo o que fez (fdp) cair no meu gosto estava
lá: as piadas infames (principalmente no penúltimo capítulo), os
palavrões, a ironia, o humor inteligente e o texto bem escrito.
No fim das contas, não poderia deixar de parabenizar a iniciativa da HBO Brasil em acreditar no projeto da Prodigo Films,
que teve que lidar com mudanças nas leis de incentivo à cultura e com
muitas adversidades para produzir a série. Mesmo assim, perseveraram e
produziram um conteúdo de alto nível, que não deve nada a nenhuma
produção estrangeira. Claro, aqui e ali cometiam alguns tropeços,
principalmente nos episódios iniciais, mas tudo foi se acertando. Com
esta finale, acredito mais do que nunca em uma segunda
temporada, ainda mais considerando a nova lei de quotas de exibição de
conteúdo nacional na tevê paga brasileira. É bom notar que a emissora
ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas olhando para as outras
produções nacionais do canal, acredito que uma segunda temporada deve
vir, mesmo que seja apenas daqui a dois anos. De qualquer forma, vale
muito a pena esperar por (fdp), a série que começou pequena e
despretensiosa em meio à enxurrada de séries americanas, mas que,
provando sua qualidade, fincou cadeira cativa na minha watchlist – e, certamente, na de muitos sériemaníacos. Por ora, fim de jogo.
Observações:
- Juarez definitivamente provou sua
hombridade ao dispensar a “assessora” do Palermo que foi enviada ao seu
quarto. Vou te dizer, não é todo dia que você dispensa um avião
daqueles…
- Parece que Vinny não herdou os valores
de seus pais: para o garoto, não custava nada dar “um penaltizinho” pro
Palermo, afinal, “imagina a festa que vai ter depois”!
- Carvalhosa inventou que o número 5 do
Asunción o havia xingado. Mas era justamente o jogador que tinha feito
cirurgia na garganta. Como ele não sabia disto? Ô Carvalhosa, vamos
fazer o serviço direito, rapaz! Tsc, tsc, tsc…
- Pela primeira vez, quem terminou o
episódio com o habitual “filho da puta” foi Juarez, em um desabafo que
pode ter vários destinatários: Zarkhov, Camponero, Carvalhosa e até
Pembo, o jogador do Palermo que chutou a bola que viria a se chocar
contra o juiz, antes do gol.
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